Douglas Nascimento
De todos os meses do ano abril é o mais cívico de todos. É nele que ocorrem praticamente juntas três datas históricas: dia dos povos indígenas, de Tiradentes e "descobrimento" do Brasil, respectivamente nos dias 19, 21 e 22. Não faz tantos anos assim e o "Dia do Índio" teve sua nomenclatura e definição precisamente alterada para algo mais correto, abrangente e justo. Penso que também é hora de repensarmos o dia 22.
A chegada dos portugueses ao solo brasileiro não é feriado mesmo sendo uma data importante do calendário da nação. Contudo sou favorável que esta data seja transformada em feriado, não para comemorar ou celebrar o "descobrimento" mas como um dia de luto, debate e reflexão do que foram os 322 anos de dominação portuguesa em nosso país.
Contudo embora esse debate até já exista ele nunca foi levado a sério no Brasil. Após três séculos de dominação lusitana em nosso território tivemos uma independência que custou uma fortuna ao então jovem país. Afinal não tivemos aqui uma revolução, mas uma espécie de divórcio onde quem pagou a pensão foi o filho. E pagou muito caro, deixando um país extremamente promissor desde seu princípio comprometido com uma dívida, o preço de sua liberdade.
Liberdade essa que embora tenha chegado ao país, não chegou a grande parte de sua população covardemente escravizada pela coroa portuguesa por 322 anos e depois por mais 66 anos pela coroa brasileira, mesmo não sendo esse o desejo do principal e verdadeiro herói da independência José Bonifácio, que desejava a imediata abolição e, obviamente, foi voto vencido.
Por isso defendo que 22 de abril deve ser uma data para refletirmos sobre nosso passado e começar a pensar em como cobrar de Portugal uma urgente reparação financeira por todos os males que causou ao Brasil. E a conta deles é bem salgada.
PORTUGAL E BRASIL, POVOS IRMÃOS?
Acredito ser forçada a mensagem que insistentemente tenta alinhar Brasil e Portugal como povos irmãos. Se realmente vamos insistir com a tese furada de irmandade, devo entender que Portugal é o personagem bíblico Caim que matou seu irmão Abel. Não vejo outros irmãos que definem melhor tais laços.
A falácia de povos irmãos anula e adia a pauta que há muito já deveria ter sido debatida: de quanto, como e quando Portugal irá indenizar o Brasil pelos três séculos de exploração, morticínio, escravidão e abusos sexuais e religiosos que impôs ao povo brasileiro. Sejam estes brasileiros os indígenas, africanos ou mesmo os brancos de origem europeia que nasceram aqui após 1500.
O debate que acusa os bandeirantes de matar, perseguir e explorar indígenas, por exemplo, desvia a atenção a quem realmente deve ser acusado: seus senhores do além-mar, a monarquia portuguesa. Não cabe a mim dizer se Portugal só se enriqueceu após "descobrir" o Brasil, pois isso não é relevante. O que é relevante é mandar a fatura para Lisboa. E Portugal reconhecer seus erros e abusos da colonização.
Foram toneladas e toneladas de ouro, pedras preciosas, madeira, açúcar e muitas outras coisas que por séculos sustentaram a monarquia portuguesa. Quando o Brasil se tornou independente ainda pagou uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas, como se três séculos de saques já não fossem suficientes.
Além da dilapidação das riquezas e recursos naturais de nosso país, Portugal proporcionou a destruição mais cruel que um povo pode infligir a outro: a destruição da liberdade e dos laços familiares. Entre os séculos 16 e 19 cerca de 4 milhões de africanos foram arrancados de sua terra natal e enviados para uma terra distante e desconhecida, sem falar dos incontáveis que ficaram pelo caminho após morrerem nos tenebrosos navios negreiros e descartados no Atlântico. Uma vez aqui foram forçados a trabalhar para produzir riquezas para uma nação que não os reconhecia como seres humanos.
Também temos que lembrar do dono do feriado de 21 de abril, que foi morto pela coroa portuguesa por se rebelar inicialmente com a injusta derrama, cobrança forçada de impostos feita mesmo que fosse preciso prender a pessoa cobrada. Dessa injusta tributação surgiu a inconfidência mineira que delatada foi desarticulada e todos seus integrantes presos. Condenados à morte todos tiveram suas penas comutadas para o degredo. Exceto um de origem mais humilde que os demais: Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Pedidos de desculpas por séculos de atrocidades e abusos não são suficientes. É preciso indenizar o Brasil de uma vez por todas. Caso contrário essa relação "povos irmãos" continuará sendo apenas hipocrisia.
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