A deputada Tabata Amaral pôs no Instagram, na semana passada: "Qual desses é um problema de verdade?: a) salário baixo de professores; b) aluno com fome; c) escola sem água; d) menino de rosa e menina de azul. Eu duvido que você tenha respondido a última alternativa".
Mesmo sendo sensível ao tema dos evangélicos, ela sugere que, no fundo, condições materiais importam mais do que crenças. E faz isso reduzindo a uma disputa sobre cores um debate importante para um terço dos brasileiros.
"Evangélicos muitas vezes são vistos como um grupo homogêneo e tomados como fundamentalistas ou ingênuos", disse Nathalia Rocha em conversa recente. Ela é diretora no Brasil da organização Morada Comum, que dialoga com públicos conservadores sobre clima e meio ambiente. Ela e eu frequentemente ouvimos de quem não é evangélico: "OK, mas como explicamos para eles que…".
O cientista político Vinicius do Valle, do Observatório Evangélico, recordou, acompanhando o debate a partir do post de Tabata, o estudo do antropólogo britânico Evans-Prichard sobre o povo azande. Prichard rejeitou a ideia de que a ciência e a tecnologia ocidentais sejam mais racionais do que a religião ou a magia ou superiores a elas. Para ele, a noção de que outras formas de pensar são irracionais é produto do racionalismo ocidental.
Enquanto considerarmos evangélicos pessoas menos capazes, menos preparadas, menos racionais, continuaremos fechados ao diálogo com muitos deles que são sensíveis a temas como combate à fome, melhora da educação e sustentabilidade.
A maioria dos leitores da Folha concordará com a conclusão de Tabata: que a escassez de água e comida e salários baixos são temas mais importantes nas escolas públicas do que valores. É um equívoco. Para muitos evangélicos, a vida é um desafio e é preciso andar certo para ser aceito no Paraíso.
O debate sobre "azul ou rosa" não é só relevante; é o central hoje para esse grupo. Há legislação para questões como aborto e drogas, mas não há parâmetro jurídico sobre como professores devem apresentar a sexualidade nas escolas.
Ouço evangélicos dizerem que não importa como o adulto escolhe viver e que o ensino sobre sexualidade pode ser bem-vindo para abordar, por exemplo, estupro e prevenção da gravidez. A resistência é com a imposição, a partir do argumento científico, do debate sobre gênero para crianças.
Em "A Vida de Laboratório" (1979), o antropólogo Bruno Latour apresenta uma ciência mais humana e real, feita de disputas, interesses e até mesquinharias. Quem ignora isso e acha que a ciência está acima da política transforma-a em uma religião e delega seu poder a papas, cardeais e bispos.
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