A reorganização das forças políticas brasileiras neste começo de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os inevitáveis fatores locais aceleraram o desmonte do chamado "Tucanistão", a fortaleza de votos e influência que o PSDB amealhou durante 28 anos governando São Paulo.
No centro das mudanças está o projeto político ora extraoficial de Tarcísio de Freitas (Republicanos), o governador sacado da manga de Jair Bolsonaro (PL) para fazer frente ao tucanato e ao petismo paulistas em 2022.
O governador foi eleito em segundo turno com 55% dos votos, sinal da histórica vitalidade estadual da centro-direita, e agora o arco de partidos em torno dele tem gerado força gravitacional para aquela que foi a legenda que —mesmo após a debacle da derrota de Rodrigo Garcia à reeleição— ainda se via com 40% dos 645 prefeitos do estado.
Domina o processo o PSD de Gilberto Kassab, principal fiador de Tarcísio no campo da articulação política e seu secretário de Governo, seguido pelo MDB.
Nas contas fluidas de estrategistas dos partidos, o PSD deve virar o semestre com cerca de 100 prefeitos, e o MDB, com 80. Ao fim, acreditam, cada uma poderá ter perto de 150, com provável vantagem à primeira.
Quase tudo às expensas do PSDB, que já perdeu de 20% a 30% de seus mandatários municipais.
Em 2020, a sigla de Kassab havia conquistado 64 prefeituras, que foram desidratadas pela atração que o projeto presidencial do então governador tucano João Doria exerceu antes de explodir, no começo de 2022.
Nas palavras de um dirigente tucano, "o pior já passou". Talvez, mas nem todos os sinais são animadores para a agremiação. Um nome simbólico para ela, o prefeito de São Caetano do Sul, José Auricchio Júnior, está com dois pés fora.
"É um momento melancólico, de desfecho de um partido que se desconectou da sociedade", afirmou o prefeito, que está no quarto mandato de uma cidade do estratégico ABCD, ex-reduto do PT até aqui dominado pelo PSDB.
A pequena São Caetano é a cidade com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do país e figura há anos entre as cinco mais ricas sob a métrica de PIB per capita.
Ele se filiou ao tucanato em 2015, vindo do PTB, e está no quarto mandato. "O PSD é o partido do futuro do centro, da centro-direita", afirmou ele, que contudo disse que só tomará sua decisão final mais para frente, perto de outubro.
Auricchio aponta os fatores nacionais como prevalentes.
"O PSD tem estrutura, capilaridade, está crescendo de norte a sul como um fator de equilíbrio. O governador de São Paulo é sempre forte como presidenciável, e Tarcísio ocupa esse lugar com mais naturalidade do que [o governador mineiro Romeu] Zema [do Novo]", diz.
Com efeito, PSD e MDB as siglas estão juntas no processo de reordenação do Congresso em blocos, tendo tirado o Republicanos de Tarcísio do antigo centrão e levado a uma reação do ameaçado presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que montou seu próprio grupo.
Em comum, todos têm potencial de votar com o governo, sendo parte da base, como o PSD, ou não. E todos alimentam a certeza no PT de que sua fidelidade é condicionada também a desempenho: ambos os partidos estavam com a petista Dilma Rousseff até ela perder a sustentação e sofrer o impeachment, com os votos deles.
Por evidente, fatores locais falam alto. Governadores e suas canetas têm, por si, enorme magnetismo. Para ficar no caso do PSD, o partido elegeu 27 dos 399 prefeitos do Paraná em 2016. Quatro anos depois, já com dois sob o governo estadual de Ratinho Júnior, foram 122.
Mas há fraturas no processo, representadas não menos pela necessidade do atual governador de se mostrar fiel ao seu antigo fiador, ou ao menos aos votos que ele lhe transferiu —Bolsonaro teve os mesmos 55% dos válidos em São Paulo no segundo turno.
Assim, o seu Republicanos luta para manter espaço, e hoje está com cerca de 50 prefeitos em sua órbita, filiados ou em processo de se filiar. E há a questão do PL, o partido do presidente, que fez a maior bancada da Assembleia Legislativa paulista e seu presidente, André do Prado, que hoje está com tamanho semelhante.
Com isso, a independência de Bolsonaro pretendida por Tarcísio precisa ser medida passo a passo para não alienar essa base. Isso, na visão de rivais de Kassab e do presidente do MDB, deputado federal Baleia Rossi (SP), equilibrou um pouco o jogo paulista. "Foi um freio de arrumação", avalia Auricchio.
O PSDB conta com isso para tentar se reposicionar, ao menos no estado, mas as resistências à nova direção nacional do governador Eduardo Leite (RS) não trazem boas perspectivas. A sigla conta, para o pleito municipal de 2024, com a volta de antigos caciques.
Pesquisas locais recentes mostram os tucanos bastante bem colocados em locais como São José dos Campos, reduto histórico do partido até o hoje vice-governador Felício Ramuth migrar para o PSD, com o ex-prefeito Eduardo Cury.
Até por isso, os pacotes de adesão negociados pela base de Tarcísio costumam incluir, em cidades sem candidatos à reeleição, a filiação do indicado à sucessão.
Na capital, que governava até a morte do reeleito Bruno Covas em 2021, o dilema está entre um nome próprio ou o apoio ao ex-vice do falecido, Ricardo Nunes (MDB), que integra o projeto Tarcísio.
No geral, São Paulo segue a tendência geral de enxugamento do quadro partidário, se não de forma nominal, mas por blocos e federações —o próprio PSDB negocia uma com o Podemos. "Isso tudo vai determinar quem serão os sobreviventes", afirma o prefeito de São Caetano.
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