sábado, 29 de abril de 2023

QRCodis, mo, a nova discriminação, Hélio Schwartsman, FSP

 Hélio Schwartsman

Colunista da Folha, foi editor de Opinião. Autor de "Pensando Bem…"

SÃO PAULO

Sociedades são sempre rápidas em criar formas de exclusão. Venho experimentando na pele uma, que meu filho Ian bem-humoradamente batizou de QRCodismo. Eu explico. Não tenho celular. Não costumava ser um problema, mas, nos últimos tempos, o cerco à minoria desprovida desses apetrechos vem se fechando. Cada vez mais, empresas e instituições apostam em avanços tecnológicos baseados nesses aparelhinhos sem se preocupar em oferecer alternativas.

O que mais me atrapalha hoje são as instituições financeiras. Elas cobram cada vez mais fatores de identificação e quejandos que eu, com um velho PC, já não sou capaz de produzir. Quem sofre para resolver minhas dificuldades são os gerentes e assessores financeiros, que, pelo menos até aqui, têm conseguido dar um jeito de me manter bancariamente viável. Mas eu durmo de consciência tranquila. Eles são remunerados justamente para resolver os problemas concretos de seus clientes. Se fosse só pelas dicas de investimento, em breve seriam substituídos pelo ChatGPT.

Modo do WhatsApp em teste conecta outros celulares a conta no aplicativo. O aplicativo pede para informar o número de telefone ligado a conta e depois requer identificação via QR Code, como no WhatsApp Web.
Uso do QR Code no WhatsApp do celular - WABetaInfo/Reprodução

Mais irritantes talvez sejam os restaurantes. E não me refiro apenas à mania de não oferecer mais cardápios físicos, delegando essa tarefa a um QR Code (daí o nome QRCodismo para esse tipo de discriminação). As casas mais moderninhas já exigem que o cliente faça seu pedido pelo celular, prática que me relega à inanição.

Apesar do aprofundamento do QRCodismo, me recuso a fazer-me de vítima. Não ter celular é uma opção da qual não me arrependo. Sempre posso recorrer aos clássicos. Os restaurantes mais tradicionais sempre serão fiéis aos cardápios físicos, com caligrafia caprichada. Os vetustos bancões, por contarem com rentáveis carteiras de clientes velhinhos, ainda manterão por um par de décadas rotas de sobrevivência para os sem celular. Uma das razões por que rejeito esses aparelhinhos é que fazê-lo me dá mais tempo para ler, tanto os clássicos como os modernos.

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