Não veio a público o teor da conversa entre o assessor especial da Presidência brasileira e Putin. Discrição de Estado, pode ser. Homem ponderado, o brasileiro poderia ter aproveitado, porém, para atualizar junto ao russo a fábula do lobo e do cordeiro.
No original de Esopo, o lobo, naturalmente mais forte, rejeita os argumentos do outro porque pretende devorá-lo a qualquer custo. Numa versão atualizada, o cordeiro poderia estar marcialmente preparado para dar uma surra no atacante.
Foi mais ou menos isso o que aconteceu entre Rússia e Ucrânia. Não que esta última, guarnecida por elites militares declaradamente neonazistas, como o Batalhão Azov, vestisse pacífica pele ovina. A invasão russa, porém, foi um ataque lupino, pretensiosamente mais forte e com o "argumento" apocalíptico das armas nucleares. Não funcionou.
Apesar da terra arrasada, de milhares de mortes civis e militares, o "cordeiro" ucraniano, com ajuda americana e europeia, inflige derrotas importantes aos invasores em termos de soldados, generais e equipamentos. Era uma vez um lobo mau...
Frio como inverno siberiano, Putin não se abala com execuções de civis, estupros e decapitações, de que têm sido acusadas suas tropas. Nenhum Hitler, certo, mas um autocrata que ascendeu dos temíveis serviços secretos, dos bastidores de acordos com máfias e oligarcas, sem hesitar no envenenamento e aprisionamento de adversários. Alimenta um nacionalismo neoczarista com roupagem stalinista.
Se o brasileiro foi recebido na sala frequente nas imagens, Putin estaria sentado à mesa com inusitada distância entre cabeceira e ponta, truque de linguagem corporal: espreitado por olhos de sociopata, o interlocutor já se senta em desvantagem de fala.
O que ouviu não revelou, mas transpareceu em Lula ao dizer que os EUA deveriam parar de "incentivar" a guerra. E mais: "A Ucrânia não pode querer tudo". Tudo o quê? A integridade de seu próprio território.
A Guerra da Ucrânia, claro, mais complexa que o perfil de seus líderes, é um ponto de inflexão na nova luta pela divisão geopolítica da Terra. Para o neoimperialismo comercial e tecnológico, não existem fronteiras materiais, e sim horizontes.
É a realidade do poder norte-americano, assim como o sonho imperial de Putin, em choque com o nacionalismo vitalista da Ucrânia: ancoragem num solo nacional eurocentrado.
Nessa briga de cachorro grande, neutralidade (Áustria, Finlândia) já é mediação, especialmente por quem não tem nada a ver com isso. Mediar não é fazer marketing unilateral com retórica identitária, mais estética do que política, de esquerda caquética. Senão a voz apaziguadora ressoa como patético balido de ovelha.
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