Há anos escrevo que o modelo seguido pela saúde suplementar é insustentável.
Você, prezado leitor, escolhe um plano que caiba em seu orçamento. A partir da assinatura, acha que sua família nunca mais colocará os pés no SUS. A pandemia demonstrou que esse sonho estava fora da realidade para um número grande de usuários, que tiveram seus acessos dificultados ou negados pelo plano.
A jornalista Beth Koike acaba de publicar no Valor Econômico uma análise muito objetiva da crise que a saúde suplementar atravessa. Ela escreve: "A dificuldade no setor é generalizada e passa por operadoras, hospitais e laboratórios. De janeiro a setembro de 2022, as operadoras tiveram um prejuízo líquido de quase R$ 3 bilhões".
A ideia que a sociedade faz das operadoras dos planos vem dos tempos da inflação: um ramo altamente lucrativo, em que alguns empresários apareciam nas listas dos homens mais ricos do Brasil.
Naquele tempo os índices inflacionários chegaram a 80% ao mês. Aos gestores da saúde suplementar bastava retardar o pagamento dos serviços cobrados pelos hospitais, laboratórios e consultórios para que a dívida se tornasse irrisória. Uma conta de R$ 100, em um mês passava a valer R$ 56. Com mais 80% de inflação, no mês seguinte o valor caía para R$ 31. As mensalidades, entretanto, eram reajustadas com correções monetárias mais realistas. Lembro de colegas que não se davam ao trabalho de ir ao escritório do plano para receber o pagamento de consultas realizadas 60 dias antes.
Era um negócio da China Antiga. Os custos da assistência médica não lhes traziam preocupação, os ganhos vinham da generosidade do mercado financeiro.
Com o fim da inflação galopante, houve necessidade de adaptações para reduzir gastos: recusa de planos individuais, fusão de operadoras, desaparecimento daquelas de pequeno porte, corte de serviços oferecidos, retardo nas autorizações para exames e cirurgias eletivas, descredenciamento de hospitais e laboratórios de melhor qualidade, entre outras. De 2019 a 2023, os índices de reclamações (que já eram altos) duplicaram.
Anos atrás, no livro "A Saúde dos Planos de Saúde", o doutor Maurício Ceschin (ex-diretor da ANS) e eu antevíamos os problemas que agora se manifestam com tamanha gravidade.
Não era preciso ser vidente para prever as demandas de uma população que envelhece na velocidade da nossa. A faixa etária dos que têm mais de 60 anos é a que mais cresce; o que levou um século para ocorrer na Europa industrializada aconteceu aqui em menos de 50 anos.
Para agravar, envelhecemos mal: metade das mulheres e dos homens chega aos 60 anos com hipertensão arterial; o número dos que convivem com diabetes do tipo 2 anda perto dos 20 milhões e cresce ano a ano; a obesidade é uma epidemia; o alcoolismo e o fumo minam o organismo de milhões. Essas condições estão associadas a complicações que exigem tratamentos complexos e dispendiosos: infarto do miocárdio, derrame cerebral, câncer, obstruções arteriais, enfisema, problemas ortopédicos e neurológicos.
Pior, a maior parte desses agravos são crônicos, isto é, incuráveis. Nesses casos, o objetivo da assistência médica é o controle pelo resto da vida, seja hipertensão, diabetes, osteoartrite ou demência.
Em linhas gerais, 30% dessas doenças dependem de causas sociais: moradias precárias, salários baixos, ausência de saneamento etc. O estilo de vida é responsável por 50%: fumo, sedentarismo, obesidade etc. Portanto, se a assistência médica resolvesse todos os casos a seu alcance, o impacto seria de apenas 20%.
Os planos enfrentam esses desafios com um modelo antiquado: o "free for service", que estimula a realização de exames laboratoriais, radiografias e tomografias sem utilidade prática. Nós, médicos, temos grande responsabilidade nesse desperdício nababesco, pois saímos da faculdade sem noções elementares dos custos dos procedimentos que vamos indicar.
Esse modelo é insustentável. A única saída é investirmos na prevenção. Veja os americanos: gastam com saúde mais de US$ 3 trilhões anuais, para uma expectativa média de vida de 78 anos, igual à de Cuba. A saúde dos planos interessa a todo usuário. Se eles quebrarem, talvez os acionistas percam algum dinheiro, mas quem vai ficar no prejuízo seremos nós, as nossas famílias e o SUS.
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