O corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, determinou a instauração de um pedido de providências para apurar a conduta do juiz federal Marcelo Malucelli, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Ele quer entender se recente decisão do magistrado de segunda instância envolvendo o advogado Rodrigo Tacla Duran esbarra em entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) que suspendeu as ações penais contra o réu da Operação Lava Jato.
Ao abrir o procedimento, Salomão também questiona a relação de Malucelli com o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e cita eventual suspeição do juiz para atuar nos casos envolvendo Tacla Duran.
Réu sob a acusação de crimes de lavagem de dinheiro no âmbito da Lava Jato, Tacla Duran vem sustentando que pessoas próximas a Moro tentaram extorqui-lo para obtenção de um acordo de delação mais vantajoso.
O filho do juiz federal, o advogado João Eduardo Barreto Malucelli, é sócio do senador e da deputada federal Rosangela Wolff Moro (União Brasil-SP) no escritório Wolff Moro Sociedade de Advocacia. Além disso, João Eduardo seria namorado da filha do casal de parlamentares.
O advogado João Eduardo também tem um cargo comissionado na Assembleia Legislativa do Paraná, no gabinete do deputado estadual Luiz Fernando Guerra Filho (União Brasil) —que é irmão do empresário Ricardo Augusto Guerra (União Brasil), segundo suplente de Moro no Senado.
Salomão abriu o procedimento na sexta-feira (14) e deu um prazo de cinco dias para Malucelli prestar esclarecimentos.
Uma decisão de Malucelli assinada na semana passada impediu que Tacla Duran voltasse ao Brasil para pessoalmente participar de uma audiência judicial em Curitiba, como havia determinado o juiz Eduardo Appio, que está desde fevereiro à frente dos processos remanescentes da Lava Jato na 13ª Vara Federal.
A Folha entrou em contato nesta segunda (17) com a assessoria do TRF4, onde Malucelli atua, mas o magistrado preferiu não se manifestar.
A assessoria de Moro encaminhou uma nota, na qual afirma que o senador e a deputada estão afastados das atividades do escritório de advocacia "desde o início do mandato parlamentar, permanecendo no quadro social somente como associados".
"Esclarecemos ainda que os parlamentares não são investigados ou processados na Justiça Federal do Paraná ou no Tribunal Federal da 4ª Região", acrescenta a nota.
O caso da suposta extorsão envolvendo Moro está nas mãos da PGR (Procuradoria-Geral da República). O ex-juiz nega, alegando que o advogado não exibe provas do que fala.
A Folha não conseguiu contato com Tacla Duran, que vive na Espanha desde 2016.
JUÍZES DIVERGEM SOBRE ALCANCE DE DECISÃO SOBRE TACLA DURAN
Na terça (11), a pedido do MPF (Ministério Público Federal), Malucelli derrubou uma decisão do juiz Appio, de 4 de abril, que permitia que Tacla Duran voltasse ao Brasil com salvo-conduto para ter acesso presencial a provas que estão sob a guarda da 13ª Vara Federal e também para participar de uma audiência na quinta (13) para tratar das condições de sua liberdade provisória.
O salvo-conduto, que permitiria o livre trânsito de Tacla Duran em território brasileiro, seria necessário porque parte da investigação da Lava Jato contra o advogado tramita na Espanha e há medidas restritivas ao advogado aplicadas por autoridades espanholas.
Em sua decisão, Malucelli justificou que, em março, o STF suspendeu as duas ações penais nas quais Tacla Duran figura como réu na 13ª Vara Federal de Curitiba, e também todos os procedimentos relacionados aos dois processos.
A suspensão ocorreu a pedido do réu, que argumentou que as denúncias oferecidas em 2017 pelo MPF, e que geraram as duas ações penais, utilizaram provas dos acordos de leniência da Odebrecht, já consideradas inválidas pelo Supremo.
Assim, para Malucelli, desde a suspensão dos processos pelo STF, o juiz Appio não poderia ter assinado novos despachos. Agora, é o corregedor do CNJ quem questiona se Malucelli poderia ter atuado no caso, justamente em função da paralisação imposta pelo STF.
Na quarta (12), o juiz Appio encaminhou um ofício a Malucelli sugerindo que a decisão do magistrado de segunda instância significava, na prática, o restabelecimento do mandado de prisão preventiva contra o réu. Tacla Duran era considerado foragido das autoridades brasileiras até 16 de março último, quando o juiz Appio revogou o mandado de prisão preventiva.
No ofício, Appio perguntou a Malucelli se o novo mandado de prisão preventiva deveria ser expedido pela 13ª Vara ou pela 8ª Turma Criminal do TRF4.
A resposta de Malucelli foi enviada diretamente à presidente do STF, ministra Rosa Weber. O juiz de segunda instância afirmou ao STF que não decretou nenhuma nova prisão, sugerindo erro na interpretação de Appio.
A Folha procurou as assessorias dos dois magistrados na sexta (14), mas não houve retorno.
Na sua decisão do dia 4 de abril, o juiz Appio revogou um despacho de maio de 2022, assinado pelo então juiz da Lava Jato Luiz Antonio Bonat, no qual Tacla Duran não conseguiu obter salvo-conduto para ter acesso, pessoalmente, a provas que estão na 13ª Vara Federal.
Entre os argumentos colocados por Bonat na época para negar o pedido do advogado está o de que ainda vigorariam os fundamentos do mandado de prisão preventiva contra o réu.
Ou seja, no entendimento de Appio, ao derrubar a decisão de 4 de abril último que revogou o despacho de 2022, Malucelli estaria na prática restabelecendo o entendimento de que ainda vigoram os fundamentos da prisão preventiva.
Ao STF, porém, Malucelli afirma que sua decisão se limita às questões sobre o acesso pessoal de Tacla Duran às provas e sobre as audiências presenciais, "não havendo possibilidade de expandi-la a outra questão –a exemplo de decreto prisional".
CRONOLOGIA DO CASO
- Revogação da prisão (16 de março) - O juiz Eduardo Appio revoga o mandado de prisão preventiva contra Tacla Duran, que desde 2016 vive na Espanha. Appio também estabelece algumas condições para a liberdade provisória, como prestar contas de atividades ao juízo federal a cada dois meses.
- Audiência por videoconferência (27 de março) - Por videoconferência, Tacla Duran participa de uma audiência com o juiz Appio e volta a sugerir que rejeitou uma tentativa de extorsão por parte de pessoas ligadas a Sergio Moro. O juiz envia o relato ao STF, por envolver autoridade com foro especial, e inclui Tacla Duran no programa federal de testemunhas protegidas. A pedido do STF, o caso ainda está sendo analisado pela PGR, que pode ou não pedir abertura de inquérito.
- Acesso a provas (4 de abril) - O juiz Appio revoga decisão de maio de 2022 que impedia que Tacla Duran comparecesse na 13ª Vara Federal em Curitiba, pessoalmente, para acessar provas. Um dos argumentos do juiz Luiz Antonio Bonat, que assina o despacho do ano passado, é de que persistiam os fundamentos do mandado de prisão preventiva em vigor na época contra Tacla Duran.
- Audiência presencial (4 de abril) - Além de autorizar o acesso às provas de forma pessoal, o juiz Appio marca uma audiência presencial para ouvir Tacla Duran sobre as condições da liberdade provisória. A audiência seria realizada em alguma data entre os dias 10 e 14 de abril, mas ela acabou não acontecendo.
- Decisão do TRF4 (11 de abril) - Alegando que o juiz Appio não poderia ter tomado decisões dentro de processos suspensos pelo STF, o MPF recorre ao TRF4 e o juiz de segunda instância Marcelo Malucelli revoga a decisão do juiz Appio, de 4 de abril.
- Suposta prisão (12 de abril) - O juiz Appio pede esclarecimentos a Malucelli sobre sua decisão, sugerindo que a revogação da sua decisão de 4 de abril também significava na prática o restabelecimento do mandado de prisão preventiva contra Tacla.
- Resposta ao STF (14 de abril) - Ao STF Malucelli nega que tenha restabelecido nova prisão de Tacla Duran e informa que apenas revogou decisão que autorizava o acesso pessoal do advogado às provas e marcava audiência presencial em Curitiba. Ele enfatiza que sua decisão não tem qualquer relação com a revogação da preventiva assinada em 16 de março.
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