segunda-feira, 17 de abril de 2023

Juízes já recebem ATS: com PEC, querem ganhar em duplicidade, OESP (muito importante)

 Está em discussão no plenário do Senado a Proposta de Emenda Constitucional 63/2013, também conhecida como PEC dos Magistrados. A PEC reinstitui o chamado Adicional por Tempo de Serviço (ATS), o quinquênio, para juízes e membros do Ministério Público. A eventual aprovação da PEC 63 significa nada menos do que autorizar o pagamento em duplicidade de uma expressiva vantagem pecuniária já incorporada em 2004 à remuneração dos juízes brasileiros. A nossa magistratura, a segunda mais bem paga do mundo, não necessita da concessão de mais um oneroso e ilícito privilégio, estimado em ao menos R$ 7,5 bilhões - valor superior ao dobro do disponível no Ministério da Educação em 2022 para investimentos.

A proposta é espantosa. Atualmente, todos os juízes do Brasil já ganham o chamado ATS em seu valor máximo (um acréscimo de 35%). Em 2003, quando a EC 41 estabeleceu o teto remuneratório constitucional (equivalente ao subsídio dos Ministros do STF), associações de classe pressionaram para que, no cômputo desse teto, fosse incluído o ATS, o qual os juízes já recebiam. A solução foi incorporar o ATS em seu valor máximo à época - R$ 4,5 mil, montante recebido pelo então Presidente do STF, Maurício Correa - aos salários de todos os juízes, tivessem eles 0 ou 30 anos de carreira. Como vários outros penduricalhos também foram absorvidos pelo subsídio, os vencimentos de um juiz federal substituto saltaram de R$ 10 mil para R$ 19 mil entre 2004 e 2005. E, apesar do ATS ter sido eternizado como componente do subsídio desde 2004, juízes receberam pagamentos retroativos de até R$ 150 mil após o CNJ autorizar que o adicional também lhes fosse pago em separado até maio de 2006.

Para além da irregular duplicidade, vários aspectos importantes dessa PEC colidem com os (ainda tímidos) esforços de moralização dos salários do setor público. Na proposta original em discussão no Senado, o ATS tem caráter indenizatório - não sujeito, portanto, a descontos previdenciários ou de imposto de renda, e não seria contado para fins de cumprimento do teto constitucional. A PEC ainda considera como "tempo de serviço" atividades prévias ao exercício da Magistratura, como a advocacia privada, e emendas cogitam o pagamento retroativo dos quinquênios. Algumas dessas vantagens sequer existiam na época pré-subsídio, o que indica o tamanho do retrocesso em curso.

Por meio de um estudo comparativo envolvendo 66 países, obtivemos dados inéditos que elucidam o status singularmente privilegiado da nossa Magistratura em âmbito nacional e global - e, portanto, desvelam a impertinência da PEC. Um juiz brasileiro, ao ingressar na carreira, já passa a estar entre os 0,9% mais bem remunerados do país - apenas em Singapura um juiz novato estaria em posição relativamente superior. Um recém-admitido juiz ganha 28 vezes mais do que a mediana da renda nacional - razão superada, por pouco, apenas na África do Sul (29 vezes). Em 2021, 800 juízes receberam mais de R$ 1 milhão em benefícios, e 30, mais de R$ 2 milhões (ficaram, portanto, entre os 0,05% mais bem pagos do país). Apenas em Singapura há juízes ainda mais ricos - os Ministros da Suprema Corte. Com a aprovação da PEC, os nove mil juízes que ganham acima da mediana de vencimentos (R$ 640 mil) - e que têm, em média, 20 anos de experiência - passariam a ser mais ricos, em poder de compra, do que todos os juízes de 55 países pesquisados (inclusive chefes do Judiciário da Inglaterra, Suíça, Estados Unidos, Itália, França e Alemanha).

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As favoráveis manifestações recentes do Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sugerem a iminente aprovação da PEC, o que é preocupante. Não é justo, nem legal, em um dos países mais desiguais do mundo, que passemos a pagar duas vezes o mesmo salário à elite do setor público. E, sem a imposição de limites, nada impediria em um futuro próximo que, por quaisquer razões, juízes incorporassem o ATS (e outros penduricalhos) aos salários pela terceira vez.

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Em um país como o Brasil, tão marcado pela pobreza e pela falta de qualidade e alcance de serviços públicos básicos, discutir prioridades alocativas no orçamento público é essencial. E nisso a Constituição é de clareza solar - ao Estado cabe reduzir desigualdades e privilégios, e não os ampliar. Nosso grande desafio é construir e distribuir riqueza com justiça social e igualdade de oportunidades. A PEC 63 é a negação de tudo isso - e por isso afronta a sociedade.

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