segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Revolução na tecnologia agrícola, Fernando Reinach, OESP

 Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo

29 de janeiro de 2022 | 05h00

Dois mil anos atrás, Cato, um senador romano, escreveu um livro chamado De Agri Cultura. Lá descreve a enxertia, uma técnica usada no cultivo de videiras. Ela consiste em remover a copa de uma planta jovem e enxertar no seu lugar um broto de outra planta.

O broto se desenvolve e a planta resultante é o produto da união de duas variedades distintas: as raízes (o cavalo) vem de uma planta e a copa (enxerto) vem de outra. Até hoje essa técnica é muito usada. Nossas árvores de laranja possuem a copa de uma variedade (por exemplo, a laranja-pera) e a raiz vinda de outra variedade (por exemplo, o limão-cravo). 

Com essa técnica é possível usar raízes mais resistentes e enxertos vindos de plantas mais velhas, o que permite que a laranjeira produza frutos mais cedo e seja resistente a muitas doenças. Videiras, mangueiras, abacateiros e muitas outras culturas se beneficiam dessa técnica milenar.

O problema é que a enxertia só era possível com plantas dicotiledôneas e grande parte das plantas que usamos são monocotiledoneas. Milho, trigo, cana-de-açúcar, coqueiros e abacaxis são exemplo de plantas monocotiledôneas. Até hoje essas culturas não se beneficiavam das vantagens resultantes da enxertia.

Agricultura
Descoberta de cientistas tem potencial de revolucionar a agricultura Foto: DIDA SAMPAIO / ESTADÃO

Agora um grupo de cientistas resolveu o problema ao desenvolver uma técnica que permite a enxertia entre monocotiledôneas. Descobriram que para ter sucesso é necessário fazer a enxertia no início do desenvolvimento da planta.

As sementes, assim que germinam, geram um embrião que possui duas partes: uma que vai dar origem à parte aérea da planta (caules e folhas) e outra que vai dar origem à parte subterrânea (raízes). O truque consiste em remover do embrião a região que vai dar origem à parte aérea e transplantar no seu lugar uma região que vai dar origem à parte aérea retirada do embrião de outra planta. Nessas condições, o embrião híbrido se desenvolve e resulta em uma planta na qual as raízes vêm de uma planta e o caule e folhas vêm de outra.

O mais importante da descoberta é que ela permite parear raízes e partes aéreas de monocotiledôneas de espécies completamente diferentes. Os cientistas construíram híbridos de trigo e sorgo, palmeiras e abacaxis e dezenas de outras combinações. Tudo indica que essa nova técnica realmente funciona com qualquer par de monocotiledôneas.

Esse resultado tem o potencial de revolucionar o plantio de muitas monocotiledôneas, desde bananas, passando pelas palmeiras e chegando ao abacaxi e à mandioca. Ainda vai demorar anos para os agricultores explorarem as infindáveis possibilidades abertas por essa descoberta, e para os produtos resultantes chegarem às nossas mesas. Mas é impressionante que um problema que parecia insolúvel foi resolvido e pode revolucionar grande parte da agricultura.

Mais informações em: MONOCOTYLEDONOUS PLANTS GRAFT AT THE EMBRYONIC ROOT–SHOOT INTERFACE NATURE

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