Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo
25 de agosto de 2011 | 00h00
Em 1999, foi descoberto que ratos infectados com o parasita Toxoplasma gondii apresentavam um comportamento estranho. Enquanto um rato normal fica totalmente paralisado e tenta se esconder ao sentir o cheiro de um gato, ratos infectados pelo Toxoplasma pareciam ficar curiosos e começavam a explorar o ambiente. E, óbvio, encontravam-se com o gato e eram devorados. Mas como explicar esse comportamento quase suicida, aparentemente causado pela presença do parasita?
O Toxoplasma infecta diversos animais, até mesmo seres humanos, alojando-se no cérebro, onde forma minúsculos cistos. Mas o Toxoplasma só se reproduz sexualmente no intestino de um gato. É lá que ele se divide e acaba contaminando as fezes do bichano.
Nós e os ratos somos contaminados quando entramos em contato com fezes de gatos contaminados. Uma vez no rato, o grande desafio do Toxoplasma é voltar para o seu hospedeiro primário, o gato, a fim de se multiplicar. Para isso é necessário que o gato coma o rato - e, infelizmente para o Toxoplasma, não é sempre que o gato consegue capturar o rato (vide Tom & Jerry).
Na época em que esse comportamento foi descoberto em ratos infectados, os cientistas sugeriram que, ao longo da evolução, o Toxoplasma teria adquirido a capacidade de se alojar em um local do cérebro dos ratos, alterando o comportamento do roedor, o que facilitaria sua captura pelos gatos. Essa hipótese, digna de um filme de ficção científica, agora foi confirmada.
Experiência. O experimento é simples. Dezoito ratos foram infectados com Toxoplasma e 18 ratos saudáveis serviram como controle. Nove ratos infectados e 9 ratos saudáveis foram colocados em gaiolas contendo um pedaço de tecido umedecido com urina de gato. A outra metade, 9 ratos saudáveis e 9 infectados, foi colocada em uma gaiola, na qual podiam sentir o cheiro de uma fêmea no cio colocada na gaiola ao lado.
O estímulo durou 20 minutos. Uma hora e meia após o término do estímulo, os ratos foram sacrificados e seus cérebros, preservados, fatiados e examinados ao microscópio. O objetivo era determinar qual área do cérebro havia sido estimulada durante a exposição à urina de gato ou ao cheiro das atrativas fêmeas no cio. Isso é possível porque, quando um neurônio fica ativo por muito tempo, ele sintetiza uma proteína chamada c-Fos, que pode ser detectada nas fatias de cérebro. Se os neurônios possuem c-Fos, isso indica que eles estavam ativos antes da morte do animal. As áreas do cérebro envolvidas no desejo sexual e nas reações de medo foram examinadas cuidadosamente nos quatro grupos de animais.
Nos ratos normais estimulados pela presença da fêmea, somente a região envolvida no desejo sexual havia sido ativada. Também como esperado, os ratos normais submetidos ao cheiro de urina de gato apresentavam a área relacionada ao medo ativada e a região relacionada ao estímulo sexual desativada. O interessante é o que foi observado nos ratos infectados com Toxoplasma. Nos ratos submetidos ao cheiro das fêmeas, somente a área sexual era ativada. Mas nos ratos infectados submetidos ao cheiro de urina de gato, tanto a área relacionada ao medo quanto a área relacionada ao desejo sexual haviam sido ativadas. Em outras palavras, os ratos infectados pelos parasitas, ao sentir o cheiro de urina de gato, ficavam com medo (como esperado), mas ao mesmo tempo ficavam atraídos sexualmente pelo cheiro. Como a atração sexual é mais forte que o medo, eles se aventuram a procurar a origem do cheiro de urina. Acabam encontrando o gato, são devorados, e o parasita pode colonizar o gato.
Esse resultado demonstra que a infecção pelo parasita não suprime o medo que os ratos sentem dos gatos, mas estimula de tal forma o desejo sexual que este supera o medo. Parece-me que esse tipo de reação, o desejo superando o medo, não é estranho aos seres humanos. Seria curioso investigar se pessoas infectadas pelo Toxoplasma são mais propensas à infidelidade.
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