quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Petrópolis e a grande reforma social dos sem chão, VTF .FSP

 A música "Barracão" faz 70 anos neste 2022. Talvez apenas os mais velhos se lembrem: cantava o "barracão pendurado no morro, pedindo socorro à cidade a teus pés", "barracão de zinco, pobretão, infeliz". Foi composta por um oficial do Exército e pracinha, Luiz Antônio, com Oldemar Magalhães.

O barracão não é mais de zinco. Nas favelas mais novas de São Paulo, é de madeira. Em geral é de alvenaria sem reboco, periclitante sobre fundação ruim ou nenhuma, muita vez à beira de um talude instável, de um córrego imundo ou de uma represa de água em tese potável. Mas há bairros "regularizados" de casas melhorzinhas à beira do precipício.

Há barraquinhas também. Muitos deserdados da vida decente moram agora em tendas de camping, vários nas ruas próximas à avenida Paulista, que é um limite de um conjunto de bairros muito ricos chamado de "Jardins". É o cortiço na calçada.

Moradores, Bombeiros e agentes da Defesa Civil, trabalham na busca por sobreviventes no morro da Oficina, em Petrópolis, região serrana do estado do Rio de Janeiro
Moradores, Bombeiros e agentes da Defesa Civil, trabalham na busca por sobreviventes no morro da Oficina, em Petrópolis, região serrana do estado do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

Os barracões pobretões são diversos, pois. De comum, têm o risco de morte. Nos verões do século 21, quando não há seca, há morticínio como nos verões mais antigos: PetrópolisFranco da Rocha, Minas etc. As casinhas desabam ou são soterradas, a rotina sabida, assim como é rotina sazonal a conversa que se segue, sobre "áreas de risco" e falta de planos, de investimentos ou de providências de emergência, como sirenes.

É tudo verdade, mas é também desconversa.

Na cidade de São Paulo, há cerca de 175 mil moradias sob risco de ruína. Pela média de habitantes por casa, seriam 509 mil pessoas (devem ser mais: pobres são obrigados a viver em aglomeração). Se o problema de habitação se resumisse ao de morte por soterramento, seria preciso resolver o problema de meio milhão de pessoas --mas há ainda a gente largada na rua, em cortiços e em outros moquifos desumanos.

A desconversa está em dizer que é "preciso remover as pessoas da área de risco", como se fosse o caso de colocar as pessoas numa van do PCC e alojá-las em um hotelzinho. Sim, é preciso tomar alguma atitude para que menos gente morra já amanhã. Mas o problema essencial é o da desigualdade do uso do chão.

O horror que é a cidade brasileira, a grande em particular, resultou também da falta de reforma agrária, quando algo que merecia esse nome grandioso fazia sentido econômico e social. Agora, o problema é a reforma urbana, nome vago e tecnocrático para a distribuição menos iníqua de espaço para moradia e transporte, para ficar no grosso.

Os pobres moram mal e longe em parte porque muito terreno central é reserva de valor sem uso social. Passam horas no trânsito também porque o chão é tomado por carros particulares. Os mais ricos se apropriam de investimento público, pelo uso dos benefícios e pela valorização de seus imóveis, subsidiada pelo governo. Metrô, ruas melhores, parques e outras comodidades, mais comuns em áreas ricas, são bancadas por dinheiro de impostos.

Reforma urbana quer dizer redistribuir benefícios e, em última análise, desapropriar: recuperar os bens públicos apropriados desigualmente e punir a propriedade ociosa. É fácil perceber que uma conversa séria sobre "áreas de risco", "plano diretor" e "moradias inadequadas" causa escândalo.

Quem se ocupa do assunto? O MTST do Guilherme Boulos, que apenas existe por causa do horror, e urbanistas de esquerda. Quase político algum trata disso. Em São Paulo, essa conversa pode ser sentença de morte eleitoral, vide as fúrias por causa de IPTU progressivo ou faixas de ônibus.

Se tudo desse certo, levaria décadas para arrumar esse horror. É preciso imposto, regulação e também indução de investimento privado, pois governo apenas não vai ter dinheiro. Mas é uma prioridade social maior.


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