Essa a vida dos homens no estado de natureza, conforme Thomas Hobbes, o célebre autor de “Leviatã, ou Matéria, Forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Uma das obras muito citadas e quase nunca inteiramente lidas. Mas é um livro atemporal. E nos tempos em que vivemos, sua leitura e análise não faria mal a quem se sente angustiado pela situação do mundo.
O principal argumento para a leitura ou releitura de Hobbes é que, aparentemente, predomina o egoísmo desenfreado na convivência social. Cada qual persegue seus próprios e exclusivos interesses. Se a sociedade brasileira fosse “cordial”, naquele sentido errático atribuído a Sérgio Buarque de Holanda, não haveria mais de vinte milhões de irmãos passando fome. Nem se deixaria exterminar a Amazônia e os demais biomas, causa de todas as precipitações pluviométricas, inundações e secas insólitas. O aquecimento global também resulta do egoísmo de quem só pensa em si.
Todos sabem que para Hobbes, a situação anterior à criação do Estado seria a guerra de todos contra todos, pois o homem é o lobo do homem. Por isso é que os humanos deveriam ceder sua liberdade para que se viabilizasse a formação de um Estado forte, suficientemente poderoso para garantir um mínimo de segurança a todos.
Para chegar a isso, o livro passa por muitos capítulos, dentre os quais escolhi o VI, cujo título é da origem interna dos movimentos voluntários vulgarmente chamados paixões e da linguagem que os exprime.
Hobbes era um profundo conhecedor da alma humana. Ele observa que as paixões simples são chamadas apetite, desejo, amor, aversão, ódio, alegria e tristeza, mas elas recebem outros nomes conforme são consideradas. Assim é que ele diz: o apetite ligado à crença de conseguir, chama-se esperança. O apetite, sem essa crença, chama-se desespero. A opinião, quando vinculada à crença de dano proveniente do objeto, chama-se medo. A coragem súbita chama-se cólera. A esperança constante chama-se confiança em si mesmo. Já o desespero constante chama-se desconfiança em si mesmo.
A cólera, perante um grande dano feito a outrem, quando pensamos que este foi feito por injúria, chama-se indignação. O desejo do bem dos outros chama-se benevolência, boa-vontade, caridade. Se for do bem do homem em geral, chama-se bondade natural.
O desejo de riquezas chama-se cobiça, palavra que é sempre usada em tom de censura, porque os homens que lutam por elas, veem com desagrado que os outros as consigam, embora o desejo em si mesmo deva ser censurado ou permitido conforme a maneira como se procura conseguir tais riquezas.
O desejo de cargos ou de preeminência chama-se ambição, nome usado também no pior sentido. O desejo de coisas que só contribuem para os nossos próprios fins, e o medo das coisas que constituem apenas um pequeno impedimento, chama-se pusilanimidade.
O desprezo pelas pequenas ajudas e impedimentos chama-se magnanimidade. Já a magnanimidade, em perigo de morte ou de ferimentos, chama-se coragem ou valentia. Quando aplicada ao uso das riquezas, passa a chamar-se liberalidade. A pusilanimidade pode ser apelidada mesquinhez e tacanhez ou parcimônia, conforme dela se goste ou não. O amor pelas pessoas, no convívio social, chama-se amabilidade. O amor pelas pessoas, apenas sob o aspecto dos prazeres sensuais, é o que se pode considerar a concupiscência natural. E o amor pelas pessoas adquirido por reminiscência obsessiva, ou por imaginação do prazer passado, chama-se luxúria. O amor por uma só pessoa, junto ao desejo de ser amado com exclusividade, é a conhecida paixão do amor. Quando vem acompanhada do receio de que o amor não seja recíproco, o nome é ciúme.
Há quem deseje causar dano a outrem, a fim de fazê-lo sofrer. É o que conhecemos por ânsia de vingança.
Quem deseja saber o porquê e o como é curioso, algo que só existe no ser humano. Hobbes vai discorrendo por outros verbetes, como alegria, tristeza e medo. Depois aborda as virtudes intelectuais e os defeitos a elas associados. Afirma que as orações laudatórias são fruto da imaginação, pois o objetivo não é a verdade, mas a bajulação. Interessante a digressão a respeito do desejo de fama depois da morte. Embora depois da morte seja impossível sentir os louvores que nos são feitos na Terra, pois ou o alvo estará colhendo as alegrias do céu ou nos extremos tormentos do inferno, essa fama não é vã. Pois os homens encontram um deleite presente em sua previsão, assim como no benefício que daí pode resultar para a sua posteridade. Sabem que não vão enxergar, mas mesmo assim imaginam e isso constitui prazer para os sentidos e para a imaginação.
O Leviatã foi entregue a Francis Godolphin em 15 de abril de 1651. Tantos séculos depois, verifica-se que a humanidade continua a ser feita da mesma frágil matéria-prima.
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022
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