As novas gerações escaparam deste flagelo: sessões de slides dos retornados de suas férias.
A própria palavra "slide" —do inglês, com pronúncia idem— caiu em desuso. Em português seria diapositivo: foto em filme transparente que se colocava no projetor para exibir em telas grandes. Muito útil em aulas ou palestras; um martírio na parede do vizinho, do tio, do cunhado, acompanhado da entusiasmada narração dos que viveram, ou fingiam viver, aquelas alegrias.
As gerações atuais escaparam dos slides pós-viagem, mas não da sua essência sádica. Esta apenas se transferiu para a tela do celular, no mundo de fantasia das redes sociais.
Há uma vantagem nos novos tempos: ninguém precisa se submeter ao festival de ostentação, basta ignorar a rede social. A parte ruim é que é tudo instantâneo.
Mas... quem não olha as redes? São o ringue perfeito para o encontro de duas popularíssimas perversões
humanas: o exibicionismo e o voyeurismo. Todos querendo ser vistos no centro do picadeiro, e ao mesmo tempo, todos xeretando a vida alheia.
Antes este momento acontecia no escurinho da casa do vizinho, só depois da viagem; hoje, é à luz do dia, e o dia todo.
Além de detestar exibir minha vida pessoal, mais ainda fuxicar a de terceiros, eu tenho um bom motivo para evitar este show de horrores: sou um péssimo fotógrafo, seguramente o pior que eu conheço.
E, como a ostentação requer imagens que provoquem acessos de inveja e ódio em quem nos segue (e, se seguem, os merecem), não é possível fazê-lo com imagens pavorosas como as que, apesar de a câmera do celular se encarregar de praticamente tudo, eu perpetro (apenas para meus arquivos particulares).
A bem da verdade, alguém famoso conseguiu me superar —e em público— na incompetência fotográfica. Foi a apresentadora de TV americana (e também editora de revistas e livros) Martha Stewart. Em seus programas e publicações sobre culinária, arrumação de mesas, decoração de festas, tudo é lindo, de acabamento impecável.
Mas uns dez anos atrás ela resolveu entrar no Twitter. E, meio sem noção (pela idade —hoje tem 80 anos— ou por falta de assessoria que uma celebridade costuma ter), começou a publicar fotos do que comia. Comoção na internet: como é possível que ela, justo ela, exibisse fotos tão horríveis que chegavam a ser nojentas?
Por estas e outras é que eu não caio na armadilha. Sei que fotografar direito, até para não profissionais, requer certo talento e intuição que não tenho. Cito uma prova, embora pareça covardia, por se tratar de um fotógrafo gigantesco.
Estava passeando em Nova York em 1990 com Sofia Carvalhosa, gravidona da minha filha, hoje cantautora, Marina Melo, o amigo Ronaldo Bastos, compositor que faz parte da história da nossa música, e à época sósia do outro companheiro de passeio, o fotógrafo Bob Wolfenson.
De repente Bob disse "vou fotografar vocês". Pegou minha "câmera" (daquelas de plástico, descartáveis); acionou o "flash" (uma luzinha de nada, em pleno dia luminoso); começou a andar de costas, voltado para nós, e fez um clique. UM ÚNICO CLIQUE.
Semanas depois, filme revelado, vimos a foto. Neste único clique, estávamos quase no ar, leves, soltos. Zero ostentação: legítima felicidade, captada em cada milímetro do passo acima do solo, em cada ruga de alegria no olhar.
Jamais conseguiria fazer isto, nem que treinasse a vida toda. É por isto que não me chamo Bob; ele é tão bom que faz de equipamento seu próprio corpo: o olho atilado, o dedo preciso, sem falar da cabeça brilhante (no caso, refiro-me à sua testa exuberante, mais eficaz que qualquer refletor de estúdio...).
Nenhum comentário:
Postar um comentário