O cidadão retirado do anonimato pelo BBB 2015 fez a saudação nazista no ar, num programa de debates daquele canal de TV de direita? Não fez. Fez sim, tanto que acabou demitido. Não, sim, não, sim. Costuma funcionar assim mesmo o "dog whistle".
Para quem anda distraído, "dog whistle" (em tradução literal, apito de cachorro) é uma ferramenta de comunicação política muito usada pela nova direita internacional –uma turma velha de um século na alma, mas agressivamente nova nos métodos.
Uso "dog whistle" porque quando se fala de apito de cachorro, em português, pouca gente pensa no sentido político da expressão. Este nasceu no inglês e não viajou tão bem. No entanto, é uma metáfora excelente.
Sabe-se que o apito de cachorro literal, ultrassônico, não é captado pelo ouvido humano. A mensagem que para muitos é silenciosa soa para outros –a cachorrada– nítida e estridente.
Quando alguém bebe um copo de leite diante da câmera, pode estar só bebendo leite, ato singelo e banal, quase vazio de sentido –silêncio. Estamos na faixa em que a maioria dos ouvidos nada capta.
O mesmo gesto apita alto ao ser interpretado como senha do supremacismo branco, convenção da alt-right americana que tem poucos anos de vida, segundo a estudiosa da nova direita Michele Prado, autora de "Tempestade Ideológica" (Lux).
Curiosamente, antes de virar símbolo racista o leite teve outro sentido. "Primeiro era usado para trollar esquerdistas", conta Prado. "Os influencers da alt-right diziam que os homens da esquerda eram efeminados porque consumiam muito leite de soja."
O "dog whistle" é algumas décadas mais velho que o leite envenenado. William Safire (1929-2009), que por 30 anos escreveu na revista do The New York Times uma coluna referencial sobre língua e linguagem, teve tempo de se debruçar sobre ele.
Safire acreditava que a acepção política de "dog whistle" fosse uma extensão de seu uso por pesquisadores de opinião dos anos 1980 para designar ruídos que só os entrevistados identificavam nas perguntas.
Nem sempre o apito é tão vistoso quanto um copo de leite ou um Sieg Heil. Em versão mais comum, que para alguns nem merece o nome de "dog whistle", um candidato homofóbico que não queira perder eleitores moderados pode se declarar "a favor da família tradicional" –o que soa mais respeitável do que "odeio gays", embora diga a mesma coisa.
É evidente a semelhança do apito de cachorro com a gíria, o jargão, qualquer código feito para excluir (a maioria) e incluir (os iniciados), fortalecendo o espírito de grupo. Contribui para isso o prazer infantil que, como todo código secreto, ele dá a quem o decifra.
Mas não se trata apenas de um recurso gregário. O apito também é eficiente em espalhar e tornar cada vez mais aceitáveis, naturalizadas por um número crescente de pessoas, mensagens que seriam rechaçadas pela sociedade como reprováveis ou mesmo criminosas se fossem expostas às claras.
Ninguém pode provar que não fosse apenas um tchauzinho tatibitate o gesto feito ao fim de um debate sobre o clamoroso episódio em que uma celebridade digital com nome de bicicleta defendera a legalização do Partido Nazista no Brasil.
Uma coisa é certa: demissões e cartas de repúdio à parte, a defesa do nazismo soa menos estapafúrdia hoje aos ouvidos do brasileiro médio do que soava no início da semana. O "dog whistle" vence até quando perde. Estão ouvindo o apito?
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