O mundo infectado pelo vírus da vez (porque outros virão, mas isso é outra história) descobriu recentemente o significado e as consequências da expressão "cadeias de distribuição" (supply chains): prateleiras vazias e preços mais elevados, quando as vias de transporte e distribuição de produtos não dão conta da demanda por produtos. Por enquanto, as consequências ainda estão majoritariamente limitadas a bens de luxo, ou supérfluos; hora, então, de aprender com a experiência, antes que seja tarde demais.
A lição aqui é que bens escassos precisam ser reconhecidos como tais —e a origem da escassez pode estar não no bem em si, mas na rede de transporte e distribuição que faz o bem chegar às unidades de consumo. É a diferença entre se saber morando em uma casa com placas solares e bateria em clima quente e ensolarado numa cidade com rede elétrica ampla e redundante, ou em um vilarejo remoto cuja eletricidade depende de um único cabo vindo de uma única fonte —e seus vizinhos ainda teimam em ligar chuveiro elétrico e ar condicionado todos os dias. Moradores de ambas localidades podem ter as mesmas habilidades, desejos e planos, mas sua capacidade de realização é limitada pela energia que recebem.
Tal parece ser também o caso do cérebro, como acabo de descobrir.
Minha nova paixão científica é a economia do cérebro: não como o cérebro lida com a Economia que ele cria no mundo —o tráfego e tráfico de recursos escassos—, mas como é a economia do tecido cerebral em si. Quanta energia o cérebro usa, e como isso se compara com quanta energia ele tem disponível? Venho trabalhando em colaboração com Douglas Rothman, expert em metabolismo cerebral na Universidade Yale, e juntos acabamos de publicar, em um número especial da revista Frontiers in Integrative Neuroscience, nossa descoberta de que também a economia do cérebro, como a do mundo, é limitada pela oferta de recursos.
Talvez a ideia pareça obvia ao leitor acostumado com escassez de recursos, mas boa parte dos neurocientistas opera sobre uma premissa bem diferente: a ideia de que a energia trazida ao cérebro pelo sangue é sempre abundante e em excesso, comparado ao necessário para a atividade dos neurônios. Ao contrário, Doug e eu mostramos, usando modelos matemáticos da distribuição de oxigênio ao tecido cerebral, limitada pela densidade de capilares no tecido, que o cérebro, mesmo à toa, de bobeira, já funciona perto do limite.
O problema é que o cérebro não funciona como um músculo, o qual, em repouso, tem capilares fechados, como mangueiras colapsadas, que se abrem automaticamente quando as artérias respondem à atividade muscular bombeando mais sangue. No caso do cérebro, todos os capilares estão sempre abertos, e a mangueira principal, que é a artéria carótida interna, sempre bombeia o que pode. Resultado: o cérebro faz o que pode com o tanto constante de sangue que recebe.
O que isso significa? Deixo você pensando a respeito, caro leitor cujo cérebro já funciona a todo vapor o tempo todo. Volte aqui em duas semanas que eu explico...
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