Assisti à performance de Jair Bolsonaro na quarta, em seminário promovido pelo banco BTG Pactual. Não perdi meu tempo. Sua figura patética e furiosa me forçou a procurar além do óbvio. Ainda voltarei a esse ponto em particular. Antes, uma advertência cheia de evidências eloquentes.
Perigos espreitam as eleições de outubro. Não acredito em golpe, difícil de desfechar e impossível de sustentar. Mas esse não é o único mal que pode nos acometer. Bolsonaro não tem receio, por exemplo, de insuflar a desordem, como se viu no Sete de Setembro.
Sua intervenção remota no seminário evidenciou que não pretende admitir uma eventual derrota. À frente da Bandeira Nacional e do Brasão da República, ladeado por Ciro Nogueira e Paulo Guedes, exibia uma gravata azul, decorada com fuzis.
Usou pela primeira vez tal adereço no dia 28 de maio de 2020. Falava a jornalistas, expressando, então, seu inconformismo com o inquérito que apura "fake news" contra o STF. No dia anterior, o ministro Alexandre de Moraes havia autorizado mandados de busca e apreensão contra aliados seus.
Afirmou: "Mais um dia triste na nossa história. Mas o povo tenha certeza: foi o último dia triste. (...) Chega! Chegamos no limite. Estou com as armas da democracia na mão. Eu honro o juramento que fiz quando assumi a Presidência da República."
Nesta quarta, exibindo os mesmos fuzis, voltou a vociferar: "Querem botar freio na nossa liberdade de discutir a eleição por meio das mídias sociais"; "Todos têm limites; mas tem uns dois ou três que acham que podem fazer tudo; podem ficar brincando de nos controlar e desrespeitar a nossa Constituição"; "O que está em jogo no Brasil? A nossa liberdade"; "Foi Deus que me colocou lá e só ele me tira de lá".
Pôs de novo em dúvida a lisura das eleições: "Mas onde vamos chegar? De termos um sistema eleitoral que você pode não comprovar, que não é fraudável, mas você não tem como comprovar também que não pode ser fraudado". A sintaxe é troncha, mas o, digamos, raciocínio, é estupidamente claro. A mesma gravata. O mesmo conteúdo.
Naquele 28 de maio de 2020, tinha vindo a público, por decisão do ministro Celso de Mello, o conteúdo da estupefaciente reunião ministerial de 22 de abril daquele ano. Sempre com gramática e estilo peculiares, havia dito aos subordinados: "O que esses filha de uma égua quer, ô Weintraub, é a nossa liberdade. (...) Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo!"
No evento do BTG, convidou os ouvintes a uma guerra santa contra Lula: "É isso que nós queremos pro Brasil? Dá para deixar tudo rolar numa boa? Isso já não é suficiente para pessoas com responsabilidade tomar posição? Não é com a economia, não. É com a vida, liberdade, futuro do nosso país." Ele não quer que "tudo role numa boa".
Enquanto eu me desviava de seus perdigotos virtuais de ódio, um pensamento, lembram-se, foi se insinuando na minha cachola. Política não se faz só de lógica. A idiotia pode ser até mais relevante. Há um caldo de irracionalismo no país que começou a se adensar em 2013 e ainda nos tem engolfados.
Temos de nos livrar. O diabinho contestou: "Você chama de ‘irracionalismo’ o que não sabe explicar, Reinaldo?" Não. Numa mirada pragmática, irracional é tudo o que contrata, desde a origem, um resultado contrário ao que se pretende. Ou, então, em outra perspectiva, é o que sobrepõe a ideologia e a pura convicção aos limites do real e à eficácia.
Amigos marxistas tentam explicar Bolsonaro à luz das necessidades da burguesia brasileira num momento de crise do neoliberalismo. Confesso que, até hoje, não sei direito que trem é esse tal "neoliberalismo" —parece ser uma crença milenarista que se atribui a adversários.
Ocorre-me que, em termos até bem marxistas, Lula parece muito mais adequado aos padrões da economia globalizada. O petista já não se mostrou um operador do capitalismo muito mais eficaz do que o capitão golpista?
Senhores do mercado, o cara usa gravata com fuzis. Nem o Putin faz isso.
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