Renée Pereira, O Estado de S. Paulo
19 de fevereiro de 2022 | 14h00
O Brasil vive uma contradição. Apesar da matriz elétrica invejável, com 83% de fontes renováveis, o País mantém na Amazônia – símbolo do meio ambiente – um parque gerador altamente poluente. Ali, 90% de toda a energia produzida vem de termoelétricas movidas a óleo diesel, grande emissor de CO2. Durante anos, isso não era motivo de preocupações. Mas, em um mundo em que a sustentabilidade ganha cada vez mais relevância, essa realidade começa a incomodar a ponto de o governo iniciar um processo de transição energética.
No início do mês, o Ministério de Minas e Energia abriu uma consulta pública para aprimorar as contratações no Sistema Isolado, que inclui sete Estados do Norte e do Centro-Oeste e o arquipélago de Fernando de Noronha. Hoje, grande parte do Brasil é atendida pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), formado por uma ampla rede de transmissão que permite o intercâmbio de energia entre as regiões. Se uma área gera menos, outra pode ajudar no abastecimento mandando mais energia.
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Na Amazônia, pela falta dessa interligação, pela sensibilidade ambiental e por ter comunidades pequenas e dispersas, a energia elétrica é produzida localmente. No total, são 251 sistemas isolados, também chamados pelo professor da UFRJ, Nivalde de Castro, de “ilhas de poluição”. Nesses sistemas, há desde pequenas comunidades, com população de 15 habitantes, até cidades maiores como Cruzeiro do Sul (AC) e Boa Vista (RR) – única capital ainda não conectada ao Sistema Interligado Nacional –, com 80 mil e 419 mil pessoas, respectivamente.
Mudar essa realidade não é trivial. Por se tratar de sistemas que não se conversam, as fontes de geração precisam ser seguras para evitar que a população fique sem energia. Para instalar plantas solares, por exemplo, é preciso ter um backup, um tipo de usina que possa suprir a demanda quando não há sol para produzir energia. No resto do País, quando a usina solar produz menos, ela é compensada por outras fontes de energia, como eólica e hidrelétrica.
“Esse é o desafio de fazer a transição energética de uma forma mais acelerada. Precisamos de fontes que deem segurança na entrega de energia a qualquer momento”, diz o diretor dos Estudos de Energia da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Erik Eduardo Rego. Uma alternativa, diz ele, são as usinas híbridas, como fotovoltaica e bateria ou biodiesel e diesel. “Estamos tentando estimular essa diversidade de soluções.”
Alternativas
Esses modelos de usinas já apareceram nos últimos leilões. Em 2019, houve a contratação de sete projetos (125,3 MW), que incluem usinas com biocombustível e uma solução híbrida (biocombustível + fotovoltaica + armazenamento em bateria). A Brasil BioFuels (BBF) é uma das empresas que têm apostado nesse mercado. Ela tem 22 térmicas em operação no sistema isolado, a maioria bicombustível (funcionam com diesel e biodiesel). Duas delas são totalmente a biodiesel. A empresa também está construindo duas usinas a biomassa, movidas a bagaço de dendê, diz o presidente da BBF, Milton Steagall.
Outra alternativa, não renovável, mas menos poluente do que o diesel, é o gás natural. Nesse caso, a segurança energética é maior. A Eneva está construindo, em Boa Vista, a termoelétrica Jaguatirica II, que vai iniciar a operação neste ano. A empresa produz gás natural na Bacia do Amazonas, em Silves (AM), e vai abastecer a usina para atender a 70% do consumo de energia elétrica do Estado.
Além da questão ambiental, as contratações de energia para o Sistema Isolado devem buscar a redução do custo da geração e da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) – um subsídio cobrado na conta de luz em todo o País para ajudar na geração desse sistema. No ano passado, o orçamento aprovado para a CCC foi de R$ 8,5 bilhões e, neste ano, deve superar R$ 10 bilhões.
“Com a transição, é possível reduzir os custos de geração dos sistemas isolados e desonerar a tarifa dos demais consumidores de energia elétrica”, avalia o coordenador-geral da Expansão Eletroenergética do Ministério de Minas e Energia, Gustavo Cerqueira Ataíde. Ele avisa, no entanto, que o caminho não será curto.
Risco e retorno
Nessa fase inicial, é preciso encontrar as fórmulas certas para a região com o menor risco possível. A consulta pública aberta pelo governo deve trazer algumas respostas para seguir essa trilha, diz o pesquisador sênior do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel/UFRJ), Maurício Moszkowicz. Segundo ele, além das fontes de energia, a questão dos prazos de contratação também precisa estar clara. Uma usina térmica pode ter 5 anos de contratação, mas uma solar, por exemplo, precisa de 10 a 15 anos para pagar o investimento feito.
Outro fator é que no Sistema Isolado não se podem esperar preços semelhantes aos de uma usina no resto do País. Ou seja, dificilmente uma usina solar – que tem preços baixos no Nordeste e no Sudeste – terá o mesmo custo. Isso porque essas plantas dependem de escala e do grau de insolação. “O desafio é encontrar soluções e criar os incentivos para as empresas investirem sem aumentar os subsídios”, diz Moszkowicz.
O superintendente da EPE, Bernardo Folly de Aguiar, afirma que a expectativa é de que a dependência pelo diesel seja reduzida primeiro em localidades com maior escala. Isso permite uma variedade de soluções. “Em Fernando de Noronha, por exemplo, a escala é maior e permite uma mudança mais expressiva. Em locais menores, há maior dificuldade.”
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