Em 2013, a Ucrânia estava a um passo de entrar na órbita ocidental. A União Europeia havia passado uma década tentando convencer os países do Leste Europeu a aceitarem programas de reformas econômicas em troca de acesso ao mercado europeu e à livre-circulação dos seus cidadãos. A Ucrânia, pelo seu tamanho e importância geopolítica, era o bilhete premiado.
Em novembro daquele ano, horas antes de assinar o Acordo de Associação entre o seu país e a UE em Vilnius, o presidente ucraniano Viktor Ianukovich alegou uma pressão russa insustentável e regressou a Kiev. Nessa mesma noite, milhares de pessoas encheram a praça Maiden para defender a agenda pró-europeia. Menos de três meses depois, Ianukovich foi obrigado a fugir e a Rússia desencadeou hostilidades contra o novo regime ucraniano. Praticamente todas as análises sublinham a centralidade da Otan (aliança militar ocidental), mas a obsessão de Vladimir Putin na questão ucraniana é o confronto regional entre a Rússia e a UE.
Por enquanto, ele é o grande vencedor desse embate diplomático. Jogando com os palcos, os discursos e até os cardápios como um roteirista de cinema, Putin explorou na perfeição o desfile de autoridades europeias a Moscou dos últimos quinze dias.
Apressado pela iminência de uma campanha eleitoral, o francês Emmanuel Macron foi frustrado pela intransigência russa. O recém-empossado primeiro-ministro alemão Olaf Scholz pareceu perdido no começo da crise e viu a sua popularidade desabar. Não é preciso ser agente do KGB para saber que a melhor forma de imobilizar a UE é implodindo o motor franco-alemão.
A Rússia também se beneficia do isolamento geopolítico da UE. Por mais que os Estados Unidos multipliquem as ameaças, todas as partes envolvidas sabem que o governo Joe Biden não tem vontade nem condições de se engajar na frente ucraniana.
Diplomaticamente, a crise atrasa o chamado "pivô asiático", ou o controle da ascensão chinesa, objetivo central da administração democrata. Politicamente, um conflito com a Rússia a poucos meses da eleição de meio mandato seria catastrófico para Biden. Uma maioria absoluta da população prefere que Washington mantenha distância das fronteiras da Europa.
A questão é saber se Putin vai se contentar com os ganhos políticos conquistados até agora. Ele ainda tem uma oportunidade única de instalar um governo pró-russo na Ucrânia, depois de ter garantido a subserviência do Belarus e ajudado a esmagar a oposição no Cazaquistão. Se uma invasão militar é rica em incertezas, o recuo de mais de uma centena de milhares de soldados, e a ruína econômica provocada por meses de tensão militar, também pode dar novo impulso à aproximação da Ucrânia com a UE, defendida por uma parcela significativa dos ucranianos.
A ideia de um confronto entre democracias e autoritarismo pode parecer exagerada, quando sabemos da colusão permanente e profunda de países europeus com ditaduras ao redor do mundo. Mas o embate entre Rússia e Europa também é sobre uma visão de futuro. O brasileiro que busca entender o que está em jogo para o ucraniano pode começar respondendo à seguinte pergunta: ele prefere ser o cidadão de um país na periferia da UE ou da Rússia?
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