Celso Ming*, O Estado de S.Paulo
09 de fevereiro de 2022 | 20h10
Dentro de uma panela que vai sendo aquecida aos poucos, o sapo não percebe que está ameaçado de ser cozido vivo. Vai-se acostumando com o calor e, quando se dá conta do perigo que passa, pode ser tarde demais.
Com a inflação também é assim. O consumidor vai se acostumando com o aquecimento dos preços até que, lá pelas tantas, se foi embora seu poder aquisitivo.
A inflação de janeiro ficou em 0,54%, mais baixa que o 0,73% de dezembro. Ainda assim, está muito disseminada e é a mais alta registrada em janeiro nos últimos seis anos. Formou-se bom nível de convicção de que a inflação deste ano será cerca da metade dos 10,06% acumulados em 2021. As principais justificativas para essas projeções são a desaceleração da atividade econômica (e da demanda), a ser produzida pela postura mais agressiva do Banco Central na sua política de juros, e a esperada normalização dos fluxos de bens e serviços no mercado global, responsáveis por grande parte da inflação de custos.
Mas crescem as dúvidas sobre esse resultado. Uma delas tem a ver com o comportamento do mercado de combustíveis. Os preços da gasolina e do diesel no mercado interno estão cerca de 12% “defasados” do que deveriam ser do ponto de vista técnico, segundo a Associação Brasileiras dos Importadores de Combustíveis (Abicom). Portanto, estão à espera de novos reajustes para cima. E os analistas continuam advertindo de que as cotações do barril de 159 litros, nos US$ 91,55 no fechamento do mercado nesta quarta-feira, podem passar dos US$ 100 em alguns meses.
Mas a incerteza maior tem a ver com o risco de deterioração das contas públicas. O Banco Central quase sempre foi frouxo quando se tratava de denunciar os rombos do setor público, provavelmente porque evitou cutucar a onça do governo federal com vara curta. Talvez porque agora conte com o estatuto da autonomia foi bem mais contundente quanto ao estrago sobre a inflação que pode ser produzido pelo jogo dos políticos de descarregar saídas eleitoreiras e populistas para enfrentar a alta dos combustíveis.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que a própria área econômica do governo chama de “PEC Kamikaze”, prevê renúncias de arrecadação tributária e criação de subsídios com força corrosiva suficiente para produzir um rombo de R$ 110 bilhões nas contas públicas.
O Banco Central advertiu na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada terça-feira que a redução imediata de preços que pode ser obtida no curto prazo teria tudo para usinar mais inflação estrutural mais à frente.
Porém, em ano de eleições, como este, qual é o político que olha para isso?
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA
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