No último dia 9 foi aprovada a agenda prioritária do governo para 2022 que inclui 45 itens. Destes, dez trazem impacto na área ambiental, tais como mineração em terras indígenas, regularização fundiária, mudanças no licenciamento ambiental, flexibilização de concessões florestais, e marco temporal em terras indígenas.
Dois dias depois, foi aprovado o decreto 10.966 que cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape). O programa estimula a "mineração artesanal" e define como área de atuação prioritária a Amazônia Legal (Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso, e 181 municípios do estado do Maranhão).
Mineração artesanal é um embelezamento semântico do garimpo.
Em nota oficial do Planalto, os objetivos do Pró-Mape foram descritos como "integração e fortalecimento das políticas setoriais, sociais, econômicas e ambientais para o desenvolvimento sustentável da mineração artesanal e em pequena escala, estimulando as melhores práticas, a formalização da atividade e a promoção da saúde, da assistência e da dignidade das comunidades envolvidas."
As palavras sustentável, saúde e dignidade se encaixam nos objetivos do Pró-Mape? Não.
Um relatório da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Ministério Público Federal mostra que 28% do ouro comercializado em 2019 e 2020 tinha procedência irregular (ilegais ou potencialmente ilegais). Destes, 75% eram provenientes de estados da Amazônia Legal, quase a metade do estado do Pará.
O Mapbiomas mostra que a Amazônia concentra 93,7% do garimpo do Brasil. De 2010 a 2020, a área de garimpo em territórios indígenas e unidades de conservação expandiu 495% e 301%, respectivamente. Em 2020, metade de toda a área de garimpo estava em territórios indígenas e unidades de conservação, com as maiores áreas concentradas no Pará (povos Kayapó e Munduruku, e unidade Apa do Tapajós).
E é exatamente no Pará onde está em construção a North Star Refinaria, que será a maior refinaria de ouro do Brasil. A refinaria, entretanto, está associada a família Goetz, com histórico de atuar no mercado clandestino de ouro.
A calculadora de impactos do garimpo ilegal, criada pela organização Conservação Estratégica (CSF) e pelo Ministério Público Federal, estima que mais de 3 quartos do custo associado ao garimpo ilegal em 2019 e 2020 seria decorrente de problemas de saúde em decorrência da contaminação por mercúrio.
O garimpo na Amazônia, nada tem de artesanal, nem de sustentável, nem de mecanismo de geração de melhorias de condições locais. É apenas uma das atividades que compõem um modelo de desenvolvimento predatório que não gera benefícios locais, que não respeita os povos da Amazônia, e que deixa cicatrizes profundas de desigualdade social e destruição ambiental.
A boiada continua passando, e as consequências atingem todos os brasileiros. O que acontece na Amazônia afeta o regime de chuvas e a poluição do ar (resultado das queimadas) do país.
Vivemos o embelezamento da desgraça. Covid-19 é uma gripezinha. Ômicron é bem-vinda. Agrotóxico passa a se chamar pesticida. E o garimpo virou mineração artesanal.
Mudar o nome para mineração artesanal, embelezando uma atividade ilegal, não muda suas consequências: desrespeito a demarcação de territórios indígenas, danos à saúde das comunidades indígenas e da população local, e destruição ambiental.
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