A guerra na Ucrânia chegou à sua primeira encruzilhada. A expectativa de Moscou, que invadiu com mais de 150 mil homens, era que Kiev caísse rapidamente e que um governo fantoche assumisse numa questão de dias. Mas surgiram obstáculos.
O primeiro foi o duplo movimento de resistência ucraniana e engajamento ocidental. Apesar das previsões que o condenavam a um fim melancólico, Volodimir Zelenski, o ator convertido em presidente, soube divulgar na perfeição a situação de seu país e de seu povo com vídeos que viralizaram pela combinação inusitada de tom marcial, medo existencial e um jeitinho de série televisiva.
Em algumas horas, os formadores de opinião ocidentais, estimulados pela euforia nas redes sociais, construíram coletivamente uma novela épica que tem como protagonista o "Churchill ucraniano". Zelenski se encontrou no seu novo papel, e o público, ainda em transição pandêmica, abraçou o conforto da ficção em vez da dura realidade —a chegada de tanques russos a Kiev em menos de três dias de combate.
O fato é que a chama da resistência obrigou o bloco ocidental, inicialmente paralisado pelas divisões entre os seus membros, a reagir.
Italianos e belgas deixaram de lado a baixaria de barganhar exceções para suas exportações de artigos de luxo nas negociações sobre sanções. A Alemanha basicamente reescreveu toda a sua política externa no espaço de dois dias. O Reino Unido aceitou romper com os oligarcas russos que alimentavam a sua economia. Os americanos, que desertaram Kiev na primeira oportunidade, agora se vendem como líderes e jogaram a carta de um ataque ao Banco Central russo.
Os mais assanhados falam até em armar os militares e civis ucranianos.
No final, quando ninguém acreditava, os ocidentais desencadearam o que pode vir a ser o bloqueio geoeconômico mais sofisticado da história moderna. O comandante de um Exército invencível deixou um comediante munido de um smartphone escrever a história da sua guerra.
Vladimir Putin ainda tem chances reais de realizar a sua fantasia e incorporar a Ucrânia em um arranjo imperial sob os aplausos do que resta dos seus aliados. Mas depois terá de explicar aos russos e aos povos subjugados o que ele pretende fazer desse pântano desconectado do sistema financeiro.
Incrivelmente, esse é o melhor cenário. No pior, ele terá de lidar com o arrastamento do conflito e a explosão da dissidência interna. Ameaçado, Putin poderá tentar expandir a guerra além-fronteiras.
O que é certo é que, diante do avanço da destruição de Kiev, o Putin valentão contra o imperialismo americano, que ainda mora em alguns corações, será definitivamente substituído pelo Putin senhor de Guerra de Grozni e Aleppo, que bombardeia os povos até a submissão.
Quando isso acontecer, ninguém vai mais lembrar dos planos maquiavélicos da Otan, das maldades de Biden ou das artimanhas de Zelenski. Porque a morte é um fardo que um homem carrega sozinho. E a loucura da guerra deixou Putin encurralado entre duas tragédias.
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