O envelhecimento populacional acelerado no Brasil desafia o mundo dos negócios. Ao mesmo tempo que gera demandas, impõe às empresas que conheçam e dialoguem com consumidores acima de 60 anos. Pequenos levam vantagem no processo, mas, de forma geral, ele ainda não ocorre de forma satisfatória, segundo especialistas.
"Há desconhecimento sobre essa população, que é heterogênea, porque as pessoas de 60 e 80 não se comportam da mesma maneira", diz Sérgio Duque Estrada, fundador da consultoria Ativen, especializada em economia prateada, termo usado para designar o mercado voltado ao público acima de 60 anos.
"É uma questão de sobrevivência para as empresas encontrar a solução. Se o mundo está envelhecendo, como descartar esse consumidor?"
Uma coisa que as empresas deveriam ter em mente, diz ele, é que esse cliente tem maior tendência à fidelização, ou seja, a seguir comprando determinadas marcas.
"Os jovens são como uma esponja. Experimentam de tudo. Mas quem é mais velho já tem suas preferências. Sabe aquilo da pessoa que só gosta de MPB porque ouviu a vida inteira? No consumo isso também existe", acrescenta Estrada, também coordenador de curso de curta duração sobre economia prateada do Insper, que terá sua primeira turma a partir de 2 de maio.
A ideia é receber empreendedores e funcionários de grandes empresas interessados nesse mercado, e as aulas também abordarão como as companhias devem lidar com seus próprios funcionários mais velhos.
A FGV tem uma iniciativa semelhante desde 2021, online, e receberá a terceira turma do seu curso sobre mercado de longevidade a partir de 16 de março. Os alunos discutem envelhecimento ativo (quando o idoso participa da sociedade), serviços para o público com mais de 60 anos e marketing voltado para o segmento.
Este último assunto precisa ser repensado, afirma Patrícia Galante de Sá, coordenadora do programa.
"Colocam nas peças um superidoso que pula de paraquedas ou surfa e a mulher que ainda tem corpo de modelo como sinônimos de envelhecer bem. A maioria dessa população não é assim, não é mega-ativa. Esses são os fora da curva, e se você usa o superidoso numa propaganda, assume que o bom é ser jovem."
Os pequenos negócios têm vantagem sobre as grandes corporações de consumo de massa para conversar o público acima dos 60 anos, diz Juliana Acquarone, pesquisadora de longevidade da ESPM.
"Negócios menores estão mais bem preparados porque são próximos do cliente e porque muitos nascem de necessidades individuais, tipo alguém da família que envelheceu e não encontra solução para uma dor, aí o empreendedor vê oportunidade."
Além disso, a estrutura menor permite que mudanças de foco sejam mais dinâmicas.
"As decisões são mais flexíveis. É mais fácil de pivotar [corrigir a rota do negócio]. Se há uma ideia voltada aos jovens, é mais simples alterar isso nessas empresas", afirma.
De acordo com Juliana, a indústria ainda tenta vender "juventude em caixinhas", citando produtos anti-idade e rejuvenescedores do mercado da beleza. "Intrinsecamente, então, isso significa que tem de se combater a idade, porque esta é a cultura, mas já há movimentos de contracultura falando contra o etarismo [preconceito contra pessoas mais velhas]".
Ela lembra, ainda, que a única faixa etária que cresce em tamanho e renda no Brasil é a mais velha. Por um motivo ruim, a grande desigualdade na expectativa de vida entre as classes sociais brasileiras, quem chega à velhice tende a ter mais dinheiro e, consequentemente, a consumir mais. "O abismo social não desaparece, mas diminui acima dos 60 anos", diz.
Quanto ao desenvolvimento de produtos, Patrícia, da FGV, diz que eles não devem ser pensados de maneira exclusiva para o público acima de 60 anos. As mercadorias podem até existir, mas, idealmente, as estratégias deveriam incluir o consumidor mais velho no que se vende para toda população, não colocá-lo em outra categoria.
"O pulo do gato é criar produtos e serviços atemporais, que atendam todas as faixas etárias. Pode-se criar rótulos com letras maiores, pensar no manuseio das coisas e mudar hábitos como o de repor o estoque de um supermercado de manhã. É quando clientes mais velhos costumam ir, alguns com dificuldade de locomoção, e encontram obstáculos nos corredores", afirma Patrícia.
Ela diz que quem quiser vender para o público acima de 60 anos deve estudar suas particularidades e incorporar isso a todo o processo de desenvolvimento e venda do produto ou serviço, com atenção ao branding, conjunto de ações que passa valores da marca.
Caroline Minucci, consultora do Sebrae, diz que ainda há estereótipo de que, para atender aos mais velhos, o mercado se resume a autocuidado e saúde, e que as empresas precisam romper essa bolha.
"Tem muito a ser explorado. Algumas necessidades podem ser mais específicas, mas eles consomem entretenimento, tecnologia e se preocupam com saúde financeira", diz.
Minucci cita ainda que 8,6% dos trabalhadores formalizados do país têm mais de 60 anos, sem contar os que foram empreender após a aposentadoria ou depois de perder o emprego.
"A pandemia acelerou o processo de digitalização também do público maduro, que quer se manter ativo por mais tempo e frequentemente muda os hábitos", diz Minucci.
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