segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Por que tanta indolência diante da emergência climática? leia artigo, OESP

 Moises Naim, O Estado de S.Paulo

21 de fevereiro de 2022 | 05h00

Ao mesmo tempo em que as imagens das tropas russas cercando a Ucrânia chamaram nossa atenção, a Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos divulgou seu mais recente estudo científico. A principal conclusão é que, nos próximos 30 anos, o nível do mar nas costas dos EUA subirá tanto quanto subiu durante todo o século 20.

Para contextualizar esses dados, basta mencionar que nesses cem anos o mar na costa atlântica dos EUA subiu mais rápido do que nos 2 mil anos anteriores. Outro fato: 40% dos americanos vivem nessa área litorânea e ali ocorre uma parcela significativa da atividade econômica daquele país. Como sabemos, este não é apenas um problema dos EUA, é um problema global, e o aumento do nível do mar é apenas uma manifestação do aquecimento global.

Por que está demorando tanto para a humanidade lidar efetivamente com a crise que pode acabar com a civilização como a conhecemos? Por que os políticos não tomam as decisões necessárias para reduzir as emissões de C02, o gás que mais contribui para o aquecimento global?

A primeira resposta é a impotência. O que uma pessoa comum pode fazer para evitar que o nível dos oceanos suba? Ou que as secas, inundações e incêndios florestais agora comuns diminuam em frequência e intensidade?

França - aquecimento global - elevação do nível do mar
Altas ondas atingem a praia de Etretat, na França, em 18 de fevereiro; aumento do nível do mar é um problema global   Foto: Sameer Al-Doumy/AFP

Esta é uma tarefa para múltiplos governos atuando em larga escala e em estrita coordenação. Os indivíduos podem fazer pouco para conter esses acidentes climáticos, mas podem fazer muito levando ao poder políticos capazes de mobilizar a sociedade e ganhar seu apoio para as difíceis decisões que devem ser tomadas para conter a emergência climática. Uma iniciativa tão abrangente não tem precedentes, mas, com forte vontade política, apoio popular massivo e novas tecnologias, ela pode se tornar realidade.

O apoio popular é afetado não apenas pela sensação de desamparo que os cidadãos têm direito a sentir diante da dimensão do problema, mas também pela confusão em torno de sua solução. A ameaça é tão séria quanto eles fazem parecer? As soluções propostas são as corretas? Podemos acreditar nos especialistas?

São perguntas válidas. Mas, em alguns casos, elas só procuram confundir. O ceticismo e a confusão em torno de como lidar com o problema foram muito afetados pela politização da questão e pelos interesses que se beneficiam da situação atual.

Dois pesquisadores, Doug Koplow e Ronald Steenblik, acabam de publicar um estudo relatando que os governos que dizem estar fazendo o possível para reduzir suas emissões de CO2 gastam  ao mesmo tempo US$ 1,8 bilhão, ou 2% do PIB global, em subsídios direcionados às indústrias mais poluentes: carvão, petróleo, gás e agricultura, por exemplo. As grandes empresas desses setores sabem se defender de iniciativas que ameaçam sua lucratividade.

Décadas atrás, a indústria do tabaco financiou "especialistas" e centros de pesquisa que questionavam a ligação entre o uso do tabaco e o câncer. Por anos, eles conseguiram adiar a aceitação por políticos e governos desse fato cientificamente comprovado. Dezenas de milhares de fumantes perderam a vida nesse período.

As empresas petrolíferas também financiam os céticos que questionam a emergência climática global. Em 2019, a ExxonMobil pagou US$ 690 mil a oito grupos de ativistas e cientistas que negam a crise. Além disso, a empresa continua a apoiar financeiramente os membros do Congresso dos EUA que se opõem à adoção de um imposto sobre o consumo de carbono, uma iniciativa que a ExxonMobil apoia publicamente.

Solidariedade intergeracional

Um obstáculo difícil de superar na tentativa de evitar que o planeta se torne inabitável para nós é a falta de solidariedade intergeracional. "Eu não me importo, não estarei lá quando essa crise chegar." É um comentário que todos nós já ouvimos. Para ser justo, pode-se dizer que esse desinteresse pela situação do planeta que nossos sucessores herdarão também é alimentado pela falta de um consenso político claro quanto ao que fazer.

As soluções agora disponíveis, como a eliminação dos subsídios às empresas altamente poluentes, ou o pagamento de um imposto sobre o consumo de carvão, ou a migração em massa para as fontes de energia renováveis, resultam em aumentos no custo da electricidade, gasolina, aquecimento ou ar condicionado, nos preços dos produtos manufaturados e muito mais.

Esses custos mais altos são imediatos e concretos, enquanto os benefícios prometidos pelas soluções para o aquecimento global são de longo prazo e não são garantidos. Essa dualidade entre custos tangíveis agora e benefícios hipotéticos no futuro torna muito difícil adotar as medidas em grande escala que a crise climática exige.

Novas tecnologias energéticas a caminho oferecerão uma solução. Mas essa solução também exigirá grandes inovações na tecnologia política. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT

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