segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Hélio Schwartsman - As crenças em que não cremos, FSP

 Pelas pesquisas, milhões de americanos acreditaram no Pizzagate, os boatos de que Hillary Clinton tinha ligações com uma quadrilha que aprisionava crianças no porão de uma pizzaria em Washington, a Comet Ping Pong, para usá-las como escravas sexuais.


O que você, leitor, faria se acreditasse em algo assim? Tentaria libertar as crianças ou faria avaliações negativas das pizzas ali vendidas? A maioria dos que se deram ao trabalho de fazer alguma coisa optou pela segunda alternativa. Um único indivíduo, Edgar Welch, invadiu a pizzaria atirando para libertar as crianças. Foi preso. Convenha-se, porém, que, no pressuposto de que a crença seja autêntica, foi Welch, não os críticos culinários, que tomaram a atitude razoável. Como entender isso?

Ilustração de Annette Schwartsman para a coluna de Hélio Schwartsman de 20.fev.2022
Annette Schwartsman
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O cientista cognitivo Hugo Mercier, de quem sou fã, arrisca uma explicação para esse e outros paradoxos envolvendo crenças em "Not Born Yesterday". Mercier, contrariando a expressão "nasce um otário a cada segundo", sustenta que humanos não somos uma espécie ingenuamente crédula. Se fôssemos, a seleção natural já teria assegurado nossa extinção. Segundo o pesquisador, contamos com mecanismos sofisticados de avaliação e aceitação de crenças. Não são à prova de falhas, mas funcionam bem.

Mercier distingue o que chama de crenças reflexivas das intuitivas. As primeiras dizem respeito a coisas que não afetam diretamente nossas vidas. Crer que a Terra é plana não muda nosso dia a dia. Mas experimente acreditar que a Lei da Gravidade foi revogada e se jogue de precipícios. O custo dessa crença seria proibitivo. É por isso que não vemos muitas comunidades de antigravitacionistas.

As crenças reflexivas, porém, são baratas. Como elas não nos cobram atitudes, podemos utilizá-las para funções sociais que vão além da sobrevivência. Posso proclamar minha crença até em coisas implausíveis para mostrar lealdade a meu grupo, caso do Pizzagate. 

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