domingo, 27 de fevereiro de 2022

Marcus André Melo - Bilhões e eleições, FSP

 Sempre houve muito dinheiro nas nossas eleições, e elas estão entre as mais caras do mundo. "Os gastos partidários são astronômicos, as despesas dos candidatos, elevadíssimas", escreveu Hermes Lima, em 1955.

Hoje estão ainda maiores; e a fatura continua a ser socializada. Até 2015, através de doações de empresas (ex. sobrepreço de contratos públicos); agora através de fundos públicos bilionários. A mudança tem elementos positivos —diminuição da influência corporativa sobre as eleições— mas os valores envolvidos, não. Remédio e veneno variam apenas na dose.

Arco íris se forma atrás do Congresso Nacional, na esplanada dos ministérios, em Brasília, em foto tirada por Pedro Ladeira
O prédio do Congresso Nacional, em Brasília - Pedro Ladeira - 3.nov.20/Folhapress

As causas do alto custo das eleições no país são objeto de controvérsias. Os efeitos da representação proporcional (RP) com lista aberta em grandes distritos eleitorais é um dos pontos debatidos.
Lima esboçou o argumento lá atrás: "Cada deputado necessita de votos no estado inteiro e julga-se no dever de distribuir, por intermédio da lei orçamentária, verbas e auxílios pelo estado inteiro... não é por outro motivo que as emendas ao orçamento na Câmara se apresentam aos milhares".

Ele também argumentou que os problemas resultavam da "tremenda influência do dinheiro em nossos prélios eleitorais". E tinha razão: as campanhas majoritárias também são caríssimas. Nas campanhas paga-se um prêmio elevadíssimo pelo valor esperado de estar com a caneta na mão.

O financiamento público de partidos e campanhas políticas (FPPP) tem sido discutido como "custos da democracia". O argumento é estapafúrdio por afirmar o óbvio e ignorar o essencial: o montante envolvido.

Na Europa e nos EUA, os partidos políticos e a democracia precederam o surgimento do FPPP em um século, como mostrou Susan Scarrow. A Alemanha aprovou legislação nesse sentido em 1959, no que foi seguida por Suécia (1965), Finlândia (1967), Noruega (1970), Itália (1974), Áustria (1975) e Espanha (1978). E só na década de 80 foi adotado em França (1988) —que também proibiu doações empresariais—, Grécia (1984), Dinamarca (1987), e Bélgica (1989), difundindo-se nas novas democracias nos anos 90. Mas há democracias onde inexiste FPPP (Suíça) ou ele limita-se a cobrir despesas administrativas dos partidos da oposição (Reino Unido), e ao reembolso de gastos eleitorais de parlamentares.

Há debate na ciência política sobre as consequências do FPPP. De um lado estão os analistas que o consideram um ingrediente que reforça os cartéis partidários, e inibidores da competição política; de outro, os que atribuem à FPPP a crescente fragmentação partidária nas democracias. Entre nós ele produziu hiperfragmentação, mas agora dá lugar ao cartel legislativo. Não é à toa que o apoio ao fundo une esquerda e direita.

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