quinta-feira, 5 de agosto de 2021

O veneno da reeleição e a agenda 2022 de combate à corrupção, Roberto Livianu, OESP

 Há quase um ano, o cientista político, professor e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso reconheceu publicamente a nocividade da reeleição no Executivo para o País, 20 anos depois de sua aprovação, ainda que se tenha beneficiado dela quando esteve no poder.

Penso nunca ter ficado tão escancarado quão desastrosa a reeleição é para o Brasil como hoje, pela absoluta negação do princípio constitucional da supremacia do interesse público. Ela é desafiada todos os minutos, entre nós, por uma cultura clientelista de compadrio político, alimentada diariamente pela moeda bruta dos cargos de confiança.

O presidente deixa claro que exerce o poder visando exclusivamente a nele se manter, mesmo sem eleições, como ele mesmo e seus ministros já fizeram questão de destacar. Demonstra apego ao cargo, declarando sem constrangimento que apenas Deus pode retirá-lo da cadeira presidencial, como se não existisse a hipótese de que o povo faça outra escolha em 2022.

Quem teria a coragem republicana de lutar pelo fim da reeleição? E de sustentar a limitação máxima de dois mandatos consecutivos no Legislativo no mesmo cargo para evitar o pernicioso e indesejável enraizamento no poder, negador da essência republicana?

É momento fundamental para o STF fazer valer o Pacto de San José, do qual o Brasil é signatário – regra incorporada à Constituição –, admitindo as candidaturas independentes, para ampliar o leque de opções da sociedade, obrigando partidos a sair da zona de conforto buscando compliance, transparência e democracia. Ou seja, efetiva integridade partidária.

Mais fácil fingir ser democrata, defendendo o suposto direito de quem teve bom desempenho de permanecer no poder, “esquecendo-se” de que no Brasil se pratica sem punição, de maneira naturalizada, o caixa 2 eleitoral. Ele é alavanca poderosa para a compra de votos, ainda mais turbinado pelo maior fundo eleitoral do mundo, aumentado pelo Congresso em 185%, para R$ 5,7 bilhões, além do Fundo Partidário – outro bilhão anual, como se essas fossem nossas mais relevantes prioridades sociais.

É mais confortável esquecer que há parlamentares há seis, oito ou dez mandatos seguidos no mesmo cargo, como se não existisse alternância no poder. Que aqueles que assediam sexualmente suas colegas no próprio Parlamento e outros apanhados com mais de R$ 30 mil nas nádegas e cuecas não são cassados. Até mesmo quem mata o marido é dificílimo ter o mandato cassado.

Prefere-se, em vez de corrigir distorções, aprovar Lei de Abuso de Autoridade para enquadrar apenas juízes e promotores, desbotar a Lei da Ficha Limpa, permitindo candidaturas de quem não prestou contas como deveria, fortalecendo o caixa 2 eleitoral e a compra de votos. A matéria foi aprovada na Câmara e está no Senado, assim como a nova Lei de Improbidade, que a esmaga, permitindo nepotismo, consagrando prescrição retroativa e dando seis meses para o Ministério Público investigar qualquer caso, mesmo com dezenas de suspeitos e provas complexas a produzir.

Nesse cenário, as atitudes do presidente continuam desafiando o combate à corrupção e causando preocupações cada vez maiores sobre a prioridade que o tema terá na campanha do próximo ano. A imposição do sigilo de cem anos sobre informações relacionadas aos acessos dos filhos dos presidentes ao Palácio do Planalto é só o mais recente episódio. Sabemos que sem transparência é impossível lutar contra a corrupção.

A aposta all in contra a urna eletrônica insufla o povo, como se assistiu neste domingo, mesmo sendo o sistema utilizado em quase 50 países do mundo e avalizado por organismos internacionais e por todos os ex-procuradores-gerais eleitorais responsáveis pela fiscalização das eleições das últimas décadas. Vem com ameaça caso não se use o sistema auditável que o presidente quer, mais dois motivos de grande preocupação. A questão essencial não é a defesa da fiscalização dos votos, isso é disfarce para criar álibi a ser usado em caso de derrota neste duelo político. A aprovação hipotética quebraria sigilo de votos e eternizaria discussões judiciais sobre as eleições.

Vejo o combate à corrupção como meio de prevenir a erosão do sistema democrático no País, como se debateu exaustivamente ao longo da última semana no 6.º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, realizado pelo Instituto Não Aceito Corrupção, cuja carta de conclusões será encaminhada aos presidenciáveis, como contribuição para a formatação da política pública anticorrupção de cada um, com os pontos que consideramos mais importantes para o combate à corrupção no País, debatidos no seminário.

A questão não é ser “lavajatista” ou não, gostar ou não de tal promotor ou tal juiz: é dar prioridade à agenda anticorrupção como política pública vital e transversal. Preocupação com prevenção, punição, transparência e dados abertos. Isso precisa ser explicitado, pois é essencial que o futuro presidente tenha política vigorosa de enfrentamento da corrupção e compromisso prioritário com essa agenda.


PROCURADOR DE JUSTIÇA EM SÃO PAULO, IDEALIZOU E PRESIDE O INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO


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