quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Por que Odebrecht e OAS bancaram reforma em sítio usado por Lula? Rejeição de denúncia deixa tema sem respostas, FSP

 Flávio Ferreira

SÃO PAULO

rejeição da denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o sítio de Atibaia (SP) faz com que fique sem julgamento pelo Poder Judiciário o motivo das reformas e das benfeitorias feitas pelas empreiteiras Odebrecht e OAS no imóvel rural que era frequentado pelo líder petista.

A decisão da Justiça deste final de semana não levou em consideração a totalidade de provas e alegações apresentadas pela acusação e pela defesa de Lula desde 2016, que inclui diligências de busca e apreensão, delações, depoimentos, perícias e documentos imobiliários.

Ou seja, o vasto material poderia permitir à Justiça responder se as obras tiveram ligação com atos de corrupção em contratos da Petrobras.

A medida tomada pela 12ª Vara Federal Criminal de Brasília no sábado (21) não correspondeu a uma decisão em que um réu é absolvido ou condenado com base nesse tipo de conjunto de indícios e afirmações das partes, que na linguagem do direito é chamada de sentença de mérito.

A juíza Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves rejeitou dar prosseguimento à denúncia por motivos de técnica processual.

A magistrada entendeu que ocorreu prescrição no caso de Lula e outros acusados com 70 anos de idade ou mais, ou seja, esgotou-se o prazo legal para que eles fossem eventualmente punidos pela Justiça, caso ficasse comprovada a prática de crimes.

A juíza também afirmou que alguns temas da denúncia já eram objeto de outros processos e que o Ministério Público, em sua petição, não descartou provas que deveriam ter sido desconsideradas após decisão do STF que anulou todo conjunto probatório obtido quando o processo estava sob os cuidados do então juiz Sergio Moro, que foi julgado como parcial nos casos relativos a Lula.

O Ministério Público Federal ainda pode recorrer contra a decisão da juíza.

Segundo o advogado de Lula, Cristiano Zanin, a decisão do STF e da 12ª Vara Federal de Brasília mostram que as provas apresentadas pelo Ministério Público resultaram de “uma construção viciada e ilegal”.

“Jamais deveria ter havido uma acusação, pois não há elementos juridicamente válidos para sustentar uma acusação”, e assim não há como se chegar a uma sentença de mérito, de acordo com o defensor do ex-presidente.

Zanin afirma que as decisões judiciais comprovam a inocência de Lula no caso, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de que ninguém deve ser considerado culpado até que tenha sido condenado e não haja mais recursos contra a punição, o que no jargão jurídico é denominado trânsito em julgado.

Na atual situação processual, a principal lacuna deixada no caso é sobre a justificativa para a realização das reformas e benfeitorias pelas empreiteiras na propriedade frequentada por Lula e seus familiares.

Um ponto sensível para o petista neste caso é que as obras promovidas pela Odebrecht no sítio tiveram início no fim de 2010, quando ele ainda ocupava o cargo de presidente e estava prestes a encerrar seu segundo mandato.

A defesa do petista afirma que, naquele ano, a então primeira-dama Marisa Letícia é que estava a par das atividades tocadas pela construtora Odebrecht no local, e Lula só veio tomar conhecimento sobre elas depois que já haviam sido concluídas, após deixar a Presidência.

Outra situação explorada pelos acusadores de Lula é o fato de que ele e sua família usufruíram pessoalmente dos espaços do sítio após as obras promovidas pelas empresas.

No âmbito da Operação Lava Jato, a Polícia Federal realizou diligência de busca e apreensão no sítio e foram encontrados diversos objetos pessoais de Lula e Marisa no local.

A realização de obras pela Odebrecht no sítio foi revelada pela Folha em reportagem de janeiro de 2016. Na ocasião, a ex-dona de uma loja de materiais de construção fornecedora da empreiteira estimou que o gasto da Odebrecht com a obra foi de cerca de R$ 500 mil só em materiais.

A defesa do ex-presidente nega que tenha havido benefício pessoal pago pelas empreiteiras ao petista, uma vez que ele nunca figurou como proprietário formal do imóvel.

Na época em que o petista e familiares visitavam o local, o sítio estava registrado em nome de Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, amigo de Lula, e do empresário Jonas Suassuna. Ambos eram sócios de Fábio Luís, filho de Lula conhecido como Lulinha.

Em relação às benfeitorias realizadas pela empreiteira OAS, a acusação indicou principalmente depoimentos do executivo da empresa Léo Pinheiro e emails obtidos durante as investigações.

Em novembro de 2018, Pinheiro testemunhou à Justiça e disse que a OAS desembolsou cerca de R$ 400 mil em obras no sítio em 2014, realizando mudanças na sala, na cozinha e no lago do sítio.

O executivo da OAS afirmou que Lula teria pedido as benfeitorias pessoalmente a ele e que o ex-presidente nunca indagou como poderia ressarcir a OAS pelos gastos.

A PF também obteve troca de emails entre Pinheiro e o arquiteto da OAS Paulo Gordilho, nos quais este último se referia ao sítio como "fazenda do Lula" e afirmava que o tema das benfeitorias deveria ser tratado com "sigilo absoluto".

Ao longo das apurações os investigadores do caso também coletaram documentos que mostravam a aquisição de bens por familiares e assessores de Lula para utilização no sítio.

Segundo a acusação, entre esses bens estavam pedalinhos usados no lago da propriedade rural, que teriam sido comprados por um segurança especial do ex-presidente.

Indagado sobre tais pontos das investigações, o advogado de Lula ressalta que o imóvel em Atibaia jamais pertenceu ao presidente e diz que “tudo o que foi produzido por Curitiba na fase pré-processual e na fase processual, de acordo com o julgamento do Supremo Tribunal Federal [sobre a parcialidade de Moro] e a decisão de sábado, é um nada, e não pode comportar, neste momento, qualquer discussão”.

Como mostrou a Folha em reportagem de março passado, desconsiderando a conexão com contratos da Petrobras ou outros setores públicos, restaria apenas a possibilidade de discussão sobre se teria ocorrido improbidade administrativa, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

A diferença é que a improbidade é uma ilegalidade contra a administração pública na área cível, e não pode levar à prisão, como ocorre no campo penal. As improbidades podem levar a punições como multa, devolução de valores e perda dos direitos políticos.

Porém mesmo essas supostas irregularidades de Lula nessa esfera civil já estariam prescritas, de acordo com os constitucionalistas.

A primeira denúncia do caso foi apresentada em maio de 2017 pelos procuradores da Lava Jato à 13ª Vara Criminal de Curitiba, que tinha como titular à época o então juiz federal Sergio Moro.

Segundo a acusação, Lula comandou um esquema que dissimulou a origem de um total de R$ 1,26 milhão em obras no sítio, valor pago em contrapartida a favorecimentos em contratos da Petrobras.

Porém no fim de 2018 Moro deixou a função de juiz para assumir o cargo de ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro.

Lula não participou do pleito de 2018 pois estava enquadrado na Lei da Ficha Limpa, após ter sido condenado por Moro em primeira instância e depois em segunda instância em outro caso da Lava Jato, o do tríplex de Guarujá.

A decisão de primeira instância do caso do sítio de Atibaia foi publicada em fevereiro de 2019 e teve como autora a juíza Gabriela Hardt.

A magistrada condenou Lula por corrupção e lavagem de dinheiro a 12 anos e 11 meses de reclusão, sob o argumento de que ele “tinha ciência de que havia o pagamento sistemático de propinas destinadas ao partido do qual faz parte; [e] tinha plena ciência de que parte desses valores foram usados em seu benefício pessoal".

Em segunda instância, em dezembro de 2019, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) aumentou a pena do petista para 17 anos e 1 mês de prisão.

Foi no STF em 2021 que os procuradores da Lava Jato tiveram os maiores reveses nos processos relativos a Lula.

A corte considerou que as causas deveriam ter tramitado em Brasília, e não Curitiba, por envolverem outras situações além daquelas relativas à Petrobras, e assim os autos do caso do sítio foram encaminhados para a Justiça Federal em Brasília.

Depois, em junho, o STF julgou que o ex-juiz Moro atuou com parcialidade em desfavor de Lula nas investigações e ações judiciais sob seus cuidados em Curitiba. Moro nega ter sido parcial nos casos relativos ao ex-presidente e diz que suas decisões ocorreram nos limites da lei. 

LULA E OS INDÍCIOS SOBRE O SÍTIO DE ATIBAIA

Compra do sítio
Em 2010 o empresário Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, amigo de Lula que atuou na fundação do PT, adquire formalmente o sítio. No mesmo ano a família de Lula passa a frequentar a propriedade rural

Obras pela Odebrecht
Segundo laudo da Polícia Federal, a empreiteira Odebrecht iniciou obras no sítio no fim de 2010, quando Lula ainda exercia o seu segundo mandato na Presidência da República

Obras pela OAS
Em depoimento judicial em novembro de 2018, o executivo da OAS Léo Pinheiro disse que em 2014 a empreiteira gastou cerca de R$ 400 mil em obras no sítio, realizando mudanças na sala, na cozinha e no lago do sítio. Segundo o testemunho, o ex-presidente Lula teria solicitado a reforma pessoalmente a Pinheiro, que disse que ele jamais perguntou como ressarciria a OAS pelos custos

Emails da OAS
Em emails obtidos pela Polícia Federal relativos a 2014, Léo Pinheiro se comunicava com o arquiteto da empreiteira OAS Paulo Gordilho, e este último se referia à propriedade como "fazenda do Lula". Dizia também que o assunto da obra deveria ser tratado com "sigilo absoluto"

Busca e apreensão no sítio
Em operação da busca e apreensão realizada no sítio, PF encontrou diversos objetos pessoais de Lula e sua mulher

Depoimentos de Emílio Odebrecht
​Em depoimento judicial em novembro de 2018, o executivo Emílio Odebrecht disse que o pedido para que a empreiteira bancasse as obras no sítio em 2010 partiu da então primeira-dama, Marisa Letícia, confirmando declarações que já havia dado em delação premiada

Compra de bens para o sítio
Documentos obtidos nas investigações mostraram a compra de bens por familiares e assessores de Lula para uso na propriedade rural

Entre esses bens estavam pedalinhos utilizados no lago do sítio, que teriam sido adquiridos por um segurança especial de Lula, de acordo com a acusação.


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