19 de agosto de 2021 | 03h00
Nos meus estudos sobre a emoção humana, às vezes, me deparo com palavras difíceis de classificar apenas em seu aspecto emocional. Veja o caso de afobação, por exemplo. Ela tem algo de ansiedade, concorda? A pessoa afobada está com pressa, tem alguma urgência; tal pressão leva usualmente a uma aceleração do raciocínio, uma prontidão motora para agir, quando não a sintomas físicos como taquicardia e respiração ofegante.
Tal descrição não resume a afobação, no entanto. Há mais: a pressão está ligada a um prazo, um limite de recursos – seja tempo, dinheiro, energia, paciência – que ameaçam se esgotar antes de realizada a tarefa. Ela é acompanhada, portanto, de uma aflição por receio de não conseguir dar conta de algo. Daí a pressa.
E isso não é tudo. A requerida celeridade turva, em parte, a precisão do pensamento e dos movimentos, colocando o afobado em um constante risco de meter os pés pelas mãos. Fazer as coisas de maneira afobada é se arriscar a fazer errado.
Isso acontece com relativa frequência durante qualquer tratamento médico que não seja de curto prazo. É fácil tomar remédios por pouco tempo, mas aumente a duração do tratamento para ver cair exponencialmente a adesão. Conforme os sintomas melhoram, diminui a percepção de necessidade de tomar adequadamente a medicação. A paciência com os efeitos colaterais vai acabando, o dinheiro gasto em comprimidos aumenta, tudo conspirando para afligir o paciente. Se ele e o médico cedem a essas pressões e decidem parar os remédios de maneira afobada, é grande a chance de por tudo a perder. Vejo muito isso acontecer no consultório – são pacientes que usam remédios há anos a fio porque não gostam de tomar remédio. Na pressa para se livrar deles, interrompem afobadamente a medicação, têm recaída e assim estendem por anos algo que poderia durar meses.
Esse é o risco que estamos correndo atualmente no que diz respeito ao uso das máscaras. O Brasil sempre esteve alguns meses atrás dos Estados Unidos e da Europa com relação à pandemia, mas, em várias ocasiões, deixamos de aproveitar a oportunidade de saber antes o que ia acontecer. Agora vimos o que aconteceu em vários estados norte-americanos e no Reino Unido quando as máscaras foram abandonadas de maneira, diria, algo afobada. As pessoas tinham pressa de sentir que estava tudo resolvido, que a vida estava totalmente normal, que a pandemia era coisa do passado. Mas, aflitas, acabaram não tomando a melhor decisão, levando a novos picos de contaminação, internação e mortes.
É uma lição que podemos aprender. Acabou a quarentena no Estado de São Paulo. É o fim de uma série de restrições e um caminho em direção à vida normal. Mas a pandemia em si não acabou e uma doença contagiosa respiratória, potencialmente grave e eventualmente fatal continua sendo (muito) transmitida por via respiratória. Não é hora de abandonar as medidas de proteção individual, portanto.
Sim, estamos todos angustiados pelo fim dessa situação. Mas, se formos afobados, perpetuaremos o problema por ainda mais tempo. Exatamente como os pacientes que tomam remédio por anos porque não gostam de tomar remédio.
É PSIQUIATRA DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS, AUTOR DE ‘O LADO BOM DO LADO RUIM’
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