Ao saber da morte de José Ramos Tinhorão —aos 93, na terça (3)—, eu estava lendo um capítulo de sua “História Social da Música Popular Brasileira”. Como sempre em relação ao autor, impressionado com a quantidade de informações, a perspicácia da análise e o texto saboroso, moldado nos tempos em que ele trabalhou no copidesque do Jornal do Brasil.
Panorama que vai do século 16 até a atualidade, o livro saiu primeiro em Portugal, em 1990, e só depois no Brasil, quando sua obra começou a ser relançada pela editora 34. A polêmica saudável está presente em cada página, ao retratar o poeta barroco Gregório de Mattos como glosador de cantigas ou Domingos Caldas Barbosa, um mulato nascido no Rio em 1740 e que estudou na Universidade de Coimbra, como precursor da música popular.
Tinhorão identifica o encontro dos letristas de canções com os músicos de rua, marcando o surgimento no país de um novo sistema de criação: a parceria. Segundo o ensaísta, poetas como Araújo Porto-Alegre, Gonçalves de Magalhães e Laurindo Rabelo pavimentaram o caminho para que Vinicius de Moraes chegasse nos “modernos sambas de consumo, e sempre ao lado de parceiros mais jovens de uma nova era”. Para um crítico considerado o inimigo número 1 da bossa nova, são palavras até dóceis.
Em março, ao fazer uma reportagem sobre o relançamento de “Asfalto Selvagem”, de Nelson Rodrigues, tentei entrevistar Tinhorão no seu telefone fixo —e provavelmente preto, como os descritos por Nelson. No folhetim, ele aparece como um sátiro, que mantinha uma caderneta em que anotava o nome de suas conquistas. Eu esperava ouvir uma resposta mal-humorada ou engraçadíssima, mas o AVC já o tornara um homem silente.
Demorou, mas os donos do PIB estão abandonando a aventura com Bolsonaro. Falta o Congresso.
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