O presidente da República não gosta do Poder Judiciário. Trabalha, evidentemente, para escolher e nomear juízes estafetas, dotados de alma subserviente, mas não aprecia o Judiciário como instituição republicana (conservadora ou reformista), incumbida de dirimir conflitos e controlar a constitucionalidade das leis e dos atos administrativos.
Os ataques de Bolsonaro à Constituição são equivalentes, no plano político, aos desafios que o PCC e outras organizações criminosas costumam desferir contra autoridades carcerárias e medidas governamentais que contrariam seus interesses.
Desde a campanha, a repulsa ao Judiciário é externada sem cerimônia.
Jair Bolsonaro sempre repudiou a figura do “capa preta”, referindo-se ao magistrado que, na sua visão, mete mais medo no policial do que o bandido. O presidente cumpre promessa eleitoral quando defende licença para assassinato de suspeitos e impunidade de outros excessos policiais.
Em 2018, durante as eleições, o filho Eduardo Bolsonaro transmitiu um claro recado do pai em palestra proferida para estudantes que se preparavam para o concurso da PF: “Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”.
Foi para afrontar o Supremo Tribunal Federal, empenhado em estabelecer limites para a selvageria policial carioca, que Jair Bolsonaro celebrou alegremente a chacina de Jacarezinho, que resultou em 29 mortes.
Além dos crimes contra a segurança nacional praticados pelo próprio presidente (tentar mudar com grave ameaça o Estado de Direito, tentar impedir com grave ameaça o livre exercício dos Poderes da União, fazer propaganda de processos ilegais para alterar a ordem política, incitar à subversão), o governo age como autêntica quadrilha, conspirando contra mecanismos tradicionais de controle da administração pública.
A política de sigilos é ilustrativa. O Brasil tem orçamento secreto. Não são públicos os gastos com viagens internacionais e cartões corporativos.
São sigilosos os pareceres técnicos que orientam a Presidência a vetar ou sancionar leis.
Estão cobertos por sigilo (até 2036) documentos relacionados à “missão” do ex-chanceler Ernesto Araújo para supostamente negociar o spray nasal de Israel para tratamento da Covid-19.
O Exército quer esconder, por cem anos, o conteúdo do processo administrativo que livrou a cara do general Eduardo Pazzuelo, que, na ativa, participou de manifestação política e golpista.
Documentos de inteligência dos anos 1990, relacionados ao impeachment do ex-presidente Collor de Mello (aliado ardoroso de Bolsonaro) estão ocultos.
Os registros de visitas do Palácio do Alvorada foram classificados como informação reservada, por coincidência, na mesma época em que o miliciano Fabrício Queiroz era homiziado pelo advogado criminal da família Bolsonaro.
O Palácio do Planalto também é tratado como uma espécie de valhacouto. A circulação (sempre suspeita) dos filhos do presidente é protegida por cem anos de segredo. Até a carteira de vacinação de Jair Bolsonaro (furou a fila da vacinação, presidente? Foi imunizado com a Coronavac, a vacina do Doria?) é matéria sigilosa.
Há um golpe em movimento, marcado por pequenas e aparentemente irrelevantes quarteladas, uma após outra.
O presidente da Câmara aposta no caos. O presidente do Senado faz de conta que é democrata. O procurador-geral da República é cúmplice.
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