terça-feira, 17 de agosto de 2021

AUGUSTO ARAS O máximo do direito, o máximo da injustiça, FSP

 

Augusto Aras

Procurador-geral da República

A intensidade dos últimos anos legou um ambiente institucional tensionado, onde os limites vêm sendo testados continuamente e parte da sociedade tem demandado ações enérgicas, muitas vezes desconhecendo os limites e raios de ação de cada um dos atores.

É o caso do procurador-geral da República (PGR), que, mesmo acumulando competências e responsabilidades, não pode tudo. A linha divisória é claramente delimitada pela Constituição e leis. Cinge-se, especialmente, como titular da ação penal pública, nos crimes comuns, contra autoridades com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, como o presidente da República, senadores e deputados federais.

Não tem atribuição, de ofício, para processar quem ofende a honra de terceiros, salvo se a vítima for chefe de Poder (antiga Lei de Segurança Nacional). Se não for, dependerá de representação do ofendido. Também não pode processar aquelas autoridades por crimes de responsabilidade porque é da competência do Congresso Nacional. De regra, não é dado ao PGR compartilhar da retórica política (ainda que a crítica seja ácida) consistente no diálogo, em busca de consenso social, típica dos Poderes Legislativo e Executivo.

Cabe ao PGR ficar adstrito ao discurso jurídico inerente ao sistema de Justiça que submete, repita-se, submete as duas magistraturas ao império da lei, à norma, ao Estado de Direito (de segurança jurídica, de verdade e de memória).

Quando o PGR sai do discurso jurídico e passa à retórica política, igualando-se aos representantes eleitos, criminaliza-se a política. Usando a norma para submeter contrários, cassando mandatários, obstando o desenvolvimento sustentável, econômico, ambiental e social, inclusive com a paralisação de obras.

Podendo até embaraçar o enfrentamento da pandemia com discussões marcadas pelas incertezas empíricas alheias às relações jurídicas, em tese, para cumprir as sagradas funções que lhe foram confiadas pela Carta Magna.

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Quando a atuação jurídica se imiscui com o dia a dia da retórica política, é possível invocar a Constituição para defender absurdos. Foi nela que o vice-presidente e senador norte-americano John Caldwell Calhoun (1782-1850) se baseou para sustentar sua posição antiabolicionista em sua época.
Foi assim que constatamos, em 34 anos de carreira pública, que certos excessos e violações à Constituição Federal e à lei orgânica que estrutura e organiza o Ministério Público resultaram em graves lesões aos princípios constitucionais, mormente republicano e da administração pública, com reflexos nocivos nos direitos e garantias fundamentais, levando ao questionamento da amplitude da instituição.

Na gestão atual, buscamos o aprimoramento institucional, propiciando a todos os membros e servidores iguais oportunidades, sem odiosas preferências e facciosismos; aos cidadãos, inclusive às minorias, o respeito aos seus direitos e garantias, ao devido processo legal; às empresas, a liberdade de iniciativa e de concorrência; aos trabalhadores, a sua proteção com a geração de empregos; a todos, a liberdade de expressão.

Fortalecemos os órgãos internos de combate à corrupção, instalando os Gaecos federais (Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), investigamos e processamos centenas de pessoas com prerrogativa de foro nos tribunais superiores, recuperando ativos bilionários.

Em 22 meses promovemos as campanhas “Respeito” e “Diversidade” em busca da pacificação social, renovamos os quadros e o programa da Escola Superior, com a adoção da deontologia do MP, e antes mesmo do reconhecimento da pandemia, constituímos o Giac (Gabinete Integrado de Acompanhamento) e centralizamos as demandas buscando otimizar o seu atendimento.

Superamos, quantitativa e qualitativamente, todas as expectativas, graças aos colegas de todos os ramos do MP brasileiro, sem exibicionismos, pois nosso dever é promover Justiça com independência funcional e impessoalidade.

É preciso sobriedade e sabedoria para retomarmos, superando o luto vivido por milhões de famílias e o drama do desemprego sem abrir mão da democracia, que foi por décadas ansiada e buscada. Temos de nos apegar ao combate de problemas reais e ao cuidado para não apagar fogo com gasolina. O Brasil vive um momento onde todas as cordas estão esticadas. E cabe a nós, do Ministério Público, guiar-nos sempre contra o excesso de ativismo para evitar injustiças irreversíveis.

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