A concepção de uma reforma tributária costuma levar em conta alguns princípios e objetivos: simplificação, equidade, progressividade desejada e melhoria da eficiência alocativa, entre outros. Para que sejam atingidos, as taxações do consumo, das rendas e do patrimônio devem ser, além de coerentes individualmente, consistentes entre si, de forma a produzir um sistema harmônico.
Em junho, o governo apresentou uma proposta de “reforma” para a tributação da renda. Apesar da motivação indisfarçavelmente eleitoreira, tinha pontos que alteravam o sistema na direção correta, como a redução do IRPJ e a taxação dos dividendos.
O problema principal era a calibragem, que resultava em brutal elevação da tributação, principalmente para as médias e grandes empresas, e o desenho distorcivo de algumas alterações, como a isenção de tributação na distribuição dos lucros até certas faixas de faturamento. O saldo foi um “pasticcio”, que seria altamente indigesto ao setor produtivo, com implicações para os investimentos e para o crescimento econômico futuro.
Não foi surpresa, portanto, que a reação ao projeto tenha sido ruim. Esperava-se, no entanto, que a discussão no Congresso levasse à correção das falhas originais e resultasse em algum avanço em relação ao sistema que temos hoje. O espanto ficou a cargo dos diversos substitutivos ao projeto, incrementalmente piores, que não só o colocam na direção contrária como agravam velhas e conhecidas distorções, como os incentivos à pejotização.
O clima de fim de feira em que se concedem isenções tributárias a valores arbitrários de faturamento e regimes jurídicos, sem nenhum embasamento técnico, resultará, inequivocamente, em maior deformidade do sistema tributário, mais ineficiência, mais tratamento desigual e, entre outros aspectos, em menor crescimento da produtividade. E nem precisamos entrar na seara das implicações fiscais e do estranho desenho das regras de “compensação” a estados e municípios...
Diversos especialistas apresentaram contas, simulações e consequências das alterações pretendidas. O Executivo ainda não apresentou as suas, nem sequer refutou a de terceiros, o que sugere que não consegue fazê-lo. Deixa transparecer sua posição de passageiro na discussão e falha, até agora, em conduzir e estabelecer limites ao que é possível e aceitável do ponto de vista econômico.
A esperança é que o ministro Guedes faça cumprir seus dizeres de que, se for para piorar, melhor não fazer coisa nenhuma. Em um dos temas que mais têm poder de afetar a organização do sistema econômico, “primum non nocere” é um bom guia.
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