quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Defensoria Pública atuar em pautas que poderiam ser tratadas pela advocacia privada é um desperdício, OESP

 Pedro Fernando Nery*, O Estado de S.Paulo

24 de agosto de 2021 | 04h00

Este mês se completaram oito anos do aniversário da controversa autonomia dada à Defensoria Pública da União. À época, a presidente Dilma Rousseff tentou reverter a medida no Supremo, em processo em que pedia que a autonomia fosse considerada inconstitucional – sem sucesso. A autonomia contribuiu para aumentar seu custo, que subiu 50% acima da inflação na década passada, alcançando meio bilhão por ano. Há algum resultado palpável para a população nesse crescimento? Que futuro queremos para a Defensoria Federal?

Com a autonomia, a Defensoria Pública da União (DPU) deixou de ser um órgão do Executivo, passando a ter um status mais semelhante ao do MP. “A prática dessa autonomia tem sido não para a finalidade do órgão, mas para a concessão de benefícios. É o exercício da finalidade da autonomia para fins internos”, criticou o ex-advogado-geral da União Luís Adams. O caminho é buscado pelo lobby de outras corporações, que pleiteiam a autonomia financeira da AGU, da Receita, da PF, das polícias civis. 

O custo anual da DPU, hoje, equivale ao custo do pagamento do Bolsa Família a todas as famílias beneficiárias no Rio de Janeiro – a segunda maior cidade no programa. Ou, visto de outra forma, o aumento do gasto nos últimos anos equivale a uma São Luís em bolsas famílias. A tendência foi interrompida pelo teto de gastos, que fez com que a Defensoria mudasse sua sede no DF: de um prédio luxuoso, pouco acessível para os assistidos que usassem transporte público, para uma alternativa mais razoável e central. 

DPU
Autonomia da DPU contribuiu para aumentar seu custo, que subiu 50% acima da inflação na década passada, alcançando meio bilhão por ano Foto: Pillar Pedreira/ Agência Senado - 22/11/2017

É natural que a sociedade passe a debater mais qual deve ser o papel desse órgão tão nobre no pós-pandemia, ao qual constitucionalmente compete representar na Justiça os “necessitados”, defendendo direitos individuais ou coletivos. Minha preocupação principal é que o foco da Defensoria no âmbito federal não seja tanto os mais vulneráveis. Não que seja fácil, em um País com tantos tons de pobreza. 

Mas é que, ainda que o trabalho da Defensoria seja gratuito, é natural que os mais miseráveis tenham dificuldade de acessá-la. A demanda pelo Judiciário tem relação com a renda, já que está relacionada com o próprio acesso à informação e com recursos financeiros para acionar o serviço: internet, telefone, passagens de ônibus.

Um estudo feito com dados do trabalho da DPU no Rio Grande do Sul mostrou que o órgão atendia mais pessoas com renda familiar acima de 3 salários mínimos do que pessoas com renda familiar de até 1 salário mínimo. Os critérios já mudaram um pouco, e aquele Estado não é exatamente representativo, mas a informação é preocupante. Os dados indicam também que boa parte dos atendidos são pessoas mais velhas (a pobreza é dominada pelos mais jovens) e que muitas pautas são previdenciárias (a pobreza é marcada pela dificuldade de acessar o mercado de trabalho formal).

É um desperdício a DPU atuar em pautas que, embora não sejam de brasileiros mais ricos, poderiam ser tratadas pela advocacia privada. Ao contrário, pleitos de famílias miseráveis não fazem sentido do ponto de vista privado, porque não rendem o suficiente para honorários, e deveriam ser alvo da DPU. Voltamos ao Bolsa Família, com piso mensal de R$ 40, bem menos judicializado pela DPU do que benefícios operados pelo INSS, com piso de R$ 1.100.

Não encontrei dados sobre a renda dos assistidos pela DPU em nível nacional. Mas encontrei a pesquisa nacional apoiada pela DPU com informações detalhadas sobre a posição, na distribuição de renda, dos seus próprios funcionários. Dados mais fartos sobre a renda dos servidores do que os servidos na pesquisa deve dizer algo sobre seu insularismo. 

Seria ótimo se a Defensoria tivesse um protagonismo maior em questões de pobreza e distribuição de renda, seguindo uma via que o MP não tomou. No pós-pandemia, ampliar de forma ativa os seus esforços na população, no CadÚnico, como fez no auxílio emergencial e na decisão pela renda básica de cidadania, seria positivo. O potencial é enorme. A sociedade pode discutir também, por meio do Parlamento, parâmetros para melhorar a focalização do seu trabalho e até a criação de um Conselho Nacional, nos moldes do Judiciário e do MP, instituindo uma supervisão que hoje ainda não existe.

*DOUTOR EM ECONOMIA 

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