Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo
14 de agosto de 2021 | 05h00
Quando uma pessoa como Tarcísio Meira morre de covid, a explicação dada à população é de que nenhuma vacina é 100% eficaz em prevenir mortes. Isso é óbvio. Mas isso não é suficiente, e a pergunta que ocorre a toda pessoa minimamente informada é qual vacina ele tinha tomado e qual foi a variante do vírus responsável por sua morte. Ligar cada morte ou internação a uma variante, uma vacina e às comorbidades da pessoa é indispensável para entender o complexo jogo de xadrez que constitui hoje a interação do Sars-CoV-2 e a população de um país.
No início da pandemia, observamos uma corrida entre o vírus original, que ameaçava infectar rapidamente toda a população mundial, e o ser humano, que desejava retardar seu espalhamento para evitar o colapso do sistema hospitalar e ganhar tempo para desenvolver vacinas. Uma briga do vírus contra o tempo.
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Passado um ano e meio, a situação é diferente. Diversos imunizantes foram desenvolvidos. Sabemos desde o início que diferentes tecnologias resultaram em vacinas com diferentes características. Algumas com uma alta eficácia, outras com média e outras com baixa. Além disso, os conhecimentos que temos sobre a maneira como cada produto nos ajuda a combater o vírus varia de vacina para vacina. Assim, falar “das vacinas” como algo homogêneo é uma enorme falácia.
Não bastasse a diversidade de vacinas, o vírus já não é mais homogêneo. Surgiram diferentes variantes – Alfa, Beta, Gama e Delta, cada uma com diferentes propriedades. As diferenças entre as variantes incluem sua capacidade de propagação e sua capacidade de driblar cada imunizante. Assim, quando o vírus encontra um ser humano vacinado temos uma batalha – cujo desfecho depende das condições de saúde da pessoa, dos cuidados recebidos, da variante presente, e da vacina usada. O que antes era uma briga do vírus contra o tempo agora se transformou em uma briga entre as variantes do vírus e as vacinas; e ela transcorre de maneira diferente em cada país.
Essas diferenças decorrem de três fatores: a velocidade com que um país consegue vacinar sua população, as vacinas que cada país está usando na imunização e a variante do vírus que está presente em cada país. Em cada país, a guerra mais parece um jogo de xadrez em diferentes estágios.
Os países desenvolvidos já entenderam esse jogo e estão coletando dados para ganhá-lo. Eles monitoram as variantes e a quantidade de vírus em circulação. Monitoram como as pessoas vacinadas com cada uma das vacinas responde a cada variante do vírus. E com base nessas informações aumentam o ritmo da vacinação, diminuem o espaço entre doses e, mais recentemente, têm decidido vacinar os mais jovens e ministrar uma terceira dose para os mais velhos. São decisões que dependem da posição das peças do xadrez naquele instante, naquele país. E será assim nos próximos meses.
É por isso que é inaceitável que no Brasil não sejam divulgados os dados sobre a taxa de reinfecção, internação e morte entre os já vacinados com cada uma das quatro vacinas que estamos usando e entre os que já contraíram o vírus no passado. Esses dados são, por lei, comunicados à Anvisa e desaparecem lá dentro. A imprensa se acovarda e não exige acesso. A razão é que, caso os dados mostrarem que uma vacina é inferior a outra, a população pode preferir um imunizante ou outro. E como as vacinas, por incrível que pareça, estão associadas a diferentes grupos políticos, isso dará munição para a disputa eleitoral. Todos sabemos que vacina tomamos, mas se soubermos os riscos que corremos após a vacinação, podemos nos precaver de maneira diferente.
Além disso, provavelmente vamos exigir do governo as medidas necessárias para corrigir o rumo. É gozado que pessoas que se recusam a usar a expressão imunidade de rebanho – alegando que pessoas não são gado –, tratem a população como um rebanho a ser vacinado, que deve se comportar de forma passiva e continuar desinformado. Afinal, alguma vaca é informada das vantagens e desvantagens da vacina que recebe no brete?
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