Jânia Perla Diógenes de Aquino*, O Estado de S.Paulo
30 de agosto de 2021 | 19h24
O ataque a três agências bancárias de Araçatuba na madrugada desta segunda-feira, 30, tem traços do novo cangaço, termo criado por delegados de Polícia da região Nordeste entre o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. A denominação faz referência a ocorrências marcadas pelo enfrentamento direto a instituições de segurança pública. O roubo também guarda semelhanças com os assaltos a instituições financeiras registrados em Criciúma (Santa Catarina) e Cametá (Pará), no final do ano passado.
Os crimes relacionados ao novo cangaço geralmente acontecem em cidades de pequeno e médio porte e surgiram pela primeira vez no Nordeste. Eles são praticados em grandes grupos de assaltantes a bordo de quatro ou mais veículos que chegam ao município durante a madrugada. Há uma divisão de tarefas da equipe: uma parte vai para as bases das forças de segurança pública, como delegacias e quartéis, e sitiam os profissionais; outra parte se dirige à região da cidade onde estão concentradas as agências bancárias.
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A principal característica é essa audácia no enfrentamento a instituições de segurança. Em outras modalidades de crime, o mais recorrente é a tentativa de evitar confrontos e fugir da polícia. No novo cangaço, há uma atitude no sentido de render quartéis e obstruir a entrada da cidade, impedindo a chegada de reforço policial.
Essas ações são assim denominadas porque não se via esse enfrentamento à polícia desde a época dos bandos de cangaceiros que atuavam no Nordeste e no norte de Minas Gerais nas primeiras décadas do século 20. Há, de fato, pontos em comum entre esse tipo de assalto e o antigo cangaço, mas também existem discrepâncias.
O cangaço tinha demandas sociais e uma relação com a população, que muitas vezes os acobertavam. No modo atual, a população só sai prejudicada. O único gesto favorável à população nesse tipo de crime foi visto em Criciúma, quando os bandidos deixaram um malote de dinheiro nas ruas. O movimento serviu para atrapalhar o trabalho dos policiais e causar tumulto.
Outra característica do roubo em Araçatuba é a sofisticação das técnicas e o aumento da sensação de terror. Nos anos 2000, grandes assaltos eram realizados a partir de abordagens mais silenciosas e que evitavam o confronto. As ações consistiam no sequestro das famílias dos gerentes e tesoureiros das instituições financeiras. As quadrilhas entravam nas agências antes da abertura para o atendimento ao público e sacavam todo o dinheiro.
A partir disso, os bancos passaram a adotar uma série de medidas como o treinamento de seus seguranças e a formulação de ações estratégicas. Hoje, os cofres só abrem em determinado horário, que varia a cada dia. Por isso, os criminosos só conseguem acessar o dinheiro usando explosivos. Ficou mais difícil realizar assaltos com abordagens mais discretas e até burlescas como as das décadas de 1990 e 2000.
No roubo desta segunda-feira, foram usadas técnicas que causam terror e prejuízos materiais e psicológicos ao município e aos moradores. Eles transformaram a cidade em uma espécie de campo minado. É uma evolução tecnológica que busca, sobretudo, evitar a chegada da polícia. Um crime visivelmente planejado a cada passo, por pessoas que têm visão estratégica, e que vai se aperfeiçoando a cada nova ocorrência.
Além da distribuição de explosivos pela cidade, outra novidade desse ataque foi o uso de reféns como escudo no capô dos carros e não apenas em volta dos bandidos ou dentro dos veículos. Isso foi feito para evitar os disparos que poderiam vir de prédios ou de helicópteros. A estratégia do escudo humano passa a ser tridimensional.
Não podemos afirmar que essas características vão se manter em ocorrências futuras, mas percebemos que o contexto e o local de uso dos explosivos têm se estendido cada vez mais. Os assaltos estão se tornando cada vez mais arriscados e potencialmente letais aos habitantes da cidade. E se mostra cada vez menos recomendável a interferência e a reação imediata da polícia ou de civis armados.
*Antropóloga, professora da Universidade Federal do Ceará e pesquisadora do Novo Cangaço
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