terça-feira, 23 de junho de 2020

PANDEMIA PODE FAZER UM BRASIL MELHOR, do blog do Nalini

Não se subestimem as catastróficas resultantes da Covid 19, que tornou o mundo um cenário de sofrimento e de pânico. Nem se deixe de reconhecer o golpe de morte numa economia que já não caminhava conforme nossas expectativas. Mas pense-se naquilo que a pandemia pode legar, como propulsão a um repensar em inúmeros setores.

A consolidação do uso das redes sociais. Aquilo que já era perpetrado por uma geração que já nasceu com chip, agora foi imposto aos mais renitentes. Não se consegue viver na crise sem o apoio das tecnologias da comunicação e informação.

Alguns setores evidenciam que o instrumento é eficiente, valioso e irreversível. A Justiça produz mais e melhor com a digitalização. A videoconferência está se mostrando vantajosa em todos os sentidos. É mais econômica. Dispensa a locomoção dos envolvidos, muitos dos quais sustentados pela estrutura estatal, sempre combalida e com insuficientes investimentos. O trânsito, terror dos brasileiros em todas as cidades, ganhou dinamismo e racionalidade. Economizam-se dispêndios tangíveis e intangíveis, mas de impressionante valor, qual o tempo.

Mentes obscurantistas ainda resistem a admitir que essa estratégia veio para ficar. Os tempos não permitem a preservação de ritualismos e formalismos há muito superados. A síndrome do “olho no olho” ganha em eficiência com o uso de ferramentas cada vez mais potentes e aperfeiçoadas.

Almeja-se que CNJ, ao detectar os excelentes resultados obtidos, venha a consagrar o sistema, fazendo-o prevalecer, a despeito de eventual e ainda remota vitória da ciência e da medicina contra o coronavírus.

Outro espaço em que há muito a ganhar é a educação. Ensaiava-se a transmissão de conhecimento à distância, com forte oposição de alguns nichos. É evidente que o mundo virtual pode oferecer sedução que nem sempre a escola convencional consegue propiciar. Quem já não experimentou o desencanto de um alunado que nasceu sob o embalo da Quarta Revolução Industrial, diante das preleções sensaboronas e desatualizadas de alguns que perderam o encanto pela arte do ensino.

Há muito a ser ajustado. Mas a escola teve de se reinventar. E precisará perseverar nessa marcha. O conteúdo transmitido pelas vias etéreas pode vir a ser permanentemente revisto, responder em oportuno às demandas do alunando, reavaliar-se e aprimorar-se de maneira a responder às expectativas. Atingirá não apenas o alunado, mas também seus pais. A família está aprendendo a participar mais da vida estudantil de seus membros. Valoriza-se o ensino, o aprendizado e resgata-se o mérito de um professor que nem sempre é bem compreendido pelos destinatários de seu ofício.

Os serviços ganham em agilidade e o delivery se mostrou imprescindível a atender a quantos tiveram de permanecer reclusos em seus domicílios. Com a cidade menos ocupada por aquele que até há pouco era o seu ocupante mais privilegiado – o automóvel – as entregas são mais rápidas. As empresas souberam caprichar e oferecer préstimos nem sempre utilizados por aqueles que preferiam a aquisição in loco.

A natureza também agradeceu à peste. A poluição cedeu. Os pássaros voltaram. Assim como outros animais, que espantamos para recônditos, mas que não desapareceram. Assim como as árvores, as plantas e as flores. Tudo pareceu ignorar uma calamidade que, afinal, só atinge o ser humano. Aquele que, embora sendo racional, é o maior detrator do ambiente.

As milhares de famílias que perderam seus entes queridos não puderam protagonizar o luto, mas essa dolorosa sobrecarga de sofrimento há de se sublimar em exercício posterior de rememoração de biografias, celebração do legítimo culto aos antepassados, na retomada de uma tradição que vem dos Romanos, que mantinham aceso o altar dos lares.

O ideal seria que os governos repensassem essa intolerável busca de uma retórica inútil e que a ninguém mais convence, e se dispusessem a acatar o recado das ruas. A Democracia representativa praticamente faliu. Já estava na UTI antes da enfermidade. Esta veio a escancarar o despreparo dos governos que cuidaram do discurso eleiçoeiro e negligenciaram a saúde. Não apenas em relação a hospitais, pronto socorros e unidades de atendimento. Mas que deixaram de oferecer à população uma educação de qualidade que teria funcionado como agente de prevenção de situações de vulnerabilidade, parceiras da doença.

Por que não eliminar o famigerado Fundo partidário, realizar eleições mediante uso das redes sociais, tudo viável numa Nação que consta possuir 265 milhões de mobiles, para uma população de 210 milhões de habitantes. Multiplicar o montante orçamentário à pesquisa e à ciência, incentivar a juventude a encarar a necessidade de mais cuidadores, enfermeiros, paramédicos, biólogos, jardineiros, tantas outras atividades essenciais à oferta de uma vida qualitativamente digna a quem sobreviver.

Lugar especial merece nessa previsão, o profissional da educação física. Muitos dos óbitos decorreram de morbidade preexistente, em grande parte causada por vida sedentária, falta de exercício físico, desencanto de viver, falta de perspectiva e tantas outras vicissitudes que sobrecarregam uma geração decepcionada com os rumos de sua Pátria.

O mais importante a se extrair destes melancólicos tempos, é a irrelevância do Estado e a imprescindibilidade do protagonismo cidadão. Quando a autoridade central é incapaz de responder à urgência e evidencia sintomas de desequilíbrio, é o momento de intensificar a atuação do indivíduo, dos grupos e de quem mais se mostrar sensível às carências humanas. Talvez fosse possível redesenhar o Brasil depois desta inevitável tragédia, que oferece oportunidade singular para mudar os rumos da República.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.    

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