quarta-feira, 24 de junho de 2020

Receita Federal aponta manobras tributárias de empresários ligados a Bolsonaro, FSP

Valores cobrados em autuações do fisco chegam a R$ 650 milhões; débitos são alvo de contestação em conselho

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BRASÍLIA

A Receita Federal multou empresários bolsonaristas por supostas manobras tributárias. A intenção seria, segundo auditores do órgão, evitar pagamento integral de impostos.

Entre as irregularidades apontadas está a simulação de operações de compra e venda de aeronaves. A Receita vê também uso de documentos falsificados para recolher contribuições previdenciárias.

Levantamento feito pela Folha mostra que oito empresários ligados ao governo devem cerca de R$ 650 milhões.

São valores cobrados pela Receita, contestados no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Esta é a última instância de questionamentos no Executivo.

Há também registros na PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional). Após decisões judiciais, o órgão cobra pendências transitadas em julgado e registradas na dívida ativa da União.

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Segundo empresários consultados pela Folha, na gestão Bolsonaro o Carf se tornou mais amigável. Agora, o governo deixou de ter voto de desempate nas autuações superiores a R$ 5 milhões.

Antes havia a queixa de que o fisco mantinha a punição graças ao voto de minerva do então representante do Ministério da Fazenda em caso de empate no Carf. O contribuinte, nesse caso, saía prejudicado.

Em janeiro deste ano, os empresários Rubens Menin, dono da MRV Engenharia e principal acionista do canal CNN Brasil, e Salim Mattar, um dos fundadores da Localiza e hoje secretário de Desestatização e Privatização do Ministério da Economia, recorreram ao Carf de uma multa aplicada pelo fisco que, se fosse paga à vista nesta quarta-feira (24), seria de cerca de R$ 140 milhões.

Os empresários Luciano Hang, Sallim Mattar, Rubens Menin e Flávio Rocha; na lista de nomes em disputas com o fisco e a PGFN constam ainda, Junior Durski, Edgard Corona e Sebastião Bonfim
Os empresários Luciano Hang, Sallim Mattar, Rubens Menin e Flávio Rocha; na lista de nomes em disputas com o fisco e a PGFN constam ainda, Junior Durski, Edgard Corona e Sebastião Bonfim - Divulgação

No recurso, a que a Folha teve acesso, os empresários questionam a possibilidade de a Receita fazer cobrança referente a operação envolvendo um jato executivo da marca Falcon ocorrida em 2011.

Eles afirmam no processo que não são os proprietários da avião e apresentaram um contrato de aluguel com a Líder Táxi Aéreo. A empresa seria a importadora do avião usado exclusivamente por eles. Os auditores, no entanto, verificaram o pagamento de US$ 4 milhões à época feito pelos empresários à fabricante do avião, a Dassault. Para eles, o valor seria um sinal da compra.

Também foi constatado um financiamento para a aquisição do bem no Bank of America, que teria feito um pagamento pela aeronave à Dassault à vista e ficado com os US$ 4 milhões como garantia.

Salim afirmou, em nota, que a operação de aluguel do jato feita em conjunto com Menin foi legítima e “realizada de acordo com a legislação vigente”. Menin não havia respondido até a conclusão deste texto.

A aeronave era usada pelos empresários, segundo os auditores, para negócios particulares e de suas empresas.

Salim comandava à época a Localiza, que também tem débitos inscritos na dívida ativa da União. Ele deixou a empresa para assumir o cargo no governo em 2019.

O secretário não respondeu às questões sobre a Localiza. A assessoria de imprensa da empresa informou que a inscrição dos débitos é indevida.

“Houve um erro de digitação no preenchimento da declaração de débitos tributários federais. O valor correto já foi quitado dentro do prazo de vencimento”, disse a Localiza.

A PGFN informou que o débito foi lançado há cerca de dez dias e está pendente.

Dentre os bolsonaristas, Luciano Hang, dono das Lojas Havan, é o recordista em infrações e contestações no Carf, segundo os técnicos.

Na Receita, a Havan deve ao menos R$ 57,9 milhões. Há ainda R$ 13,2 milhões em cobrança pela PGFN e mais R$ 123 milhões parcelados pelo último Refis (programa de repactuação de dívidas tributárias).

Havan já foi multada por ora esconder receitas, ora despesas na contabilidade como forma de gerar resultados menores de tributos a pagar.

No caso considerado mais grave, Hang teria sonegado valores devidos em contribuição previdenciária de funcionários se valendo de documento que, segundo ele, comprovaria a existência de créditos a serem compensados.

A Receita, porém, afirma que os créditos nunca existiram. Diante da suspeita de fraude de documento, o órgão encaminhou o caso para o MPF (Ministério Público Federal), em Santa Catarina.

A autuação é de 2013. Em valores corrigidos, Hang deve R$ 2,5 milhões. O empresário cometeu infração semelhante em processo de 2003. Ele foi condenado pela Justiça, mas fez acordo e se livrou da pena.

Consultado, Luciano Hang não quis comentar os casos.

Na lista de empresários em disputas com o fisco e a PGFN constam ainda Flávio Rocha (Riachuelo)Junior Durski (restaurantes Madero)Edgard Corona (SmartFit) Sebastião Bonfim (Centauro).

​Rocha afirmou que os débitos da Riachuelo e da confecção Guararapes são indevidos. “Por isso, apresentamos garantias [seguros e fianças bancárias] e exercitamos nosso direito constitucional à ampla defesa”, disse à Folha.

Os outros empresários não haviam respondido até a conclusão deste texto.

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