quarta-feira, 24 de junho de 2020

Helio Beltrão Cartelistas sem fronteiras, FSP

Cartelização entre os governos beneficia os países ricos e pune os pobres e emergentes

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Para auxiliar sua narrativa, sagazes debatedores de políticas públicas lançam mão de vocábulos com significado adulterado. Faz parte da retórica: o mais importante é vender sua ideia por meio da palavra mais aceitável perante o público.

Uma das tendências mais marcantes em termos de acordos entre países neste novo milênio é a harmonização de regulamentações e de impostos.

Os burocratas argumentam que, dessa forma, se estabelecem condições equitativas de comércio e impostos entre países, o chamado “level playing field”. Os governantes esperam evitar uma “corrida ao fundo do poço”, que se refere ao pesadelo de impostos continuamente reduzidos por meio de uma “guerra fiscal” para atração de investimentos.

Não é bem assim. Onde se lê “harmonização de impostos” poderia se ler “cartelização entre governos”; e leia-se “competição entre governos” em lugar de “guerra fiscal”.

A iniciativa mais recente é da OCDE, o grupo de países mais desenvolvidos, que pretende impor uma alíquota mínima de Imposto de Renda sobre empresas no mundo todo. Sem surpresa, essa proposta tem os intelectuais socialistas como aliados de primeira hora.

A ICRICT—entidade que faz lobby por aumento de impostos no mundo e que congrega economistas como Thomas Piketty, Joseph Stiglitz e outros— defende a imposição mundial de uma alíquota efetiva mínima de 25% sobre o lucro de empresas que atuem em mais de um país.

É consenso entre economistas que a competição entre empresas é saudável, por induzir a diminuição de preços e melhoria de produtos.

Curiosamente, não há similar consenso de que a competição entre governos seja saudável, embora indubitavelmente tenda a induzir eficiência, melhoria dos serviços públicos e maior disciplina na execução do Orçamento público. É como se, para esses economistas dissentes, a ciência econômica funcionasse acima do Equador com certas leis e abaixo com outras.

A monopolização por lei é o principal impedimento à competição. Note o exemplo do que ocorre quando o governo é provedor legalmente monopolista de um serviço, caso dos jogos de azar no Brasil.

Ao passo que cassinos no exterior pagam aos apostadores entre 95% e 99,5% do que se aposta, a Mega-Sena distribui apenas 32%; a banca estatal monopolista fica com inacreditáveis 68% do total arrecadado, que representa taxa de administração 15 a 130 vezes maior que a dos cassinos!

Sem alguma competição com outros governos, o setor público se ergue ao posto do leviatã inerentemente inclinado a extrair recursos dos contribuintes, como argumentam Brennan e Buchanan (1980).

A competição de impostos entre estados e municípios da Federação permite efeitos similares à competição internacional. A disputa em curso para sediar o centro de distribuição da multinacional argentina de comércio eletrônico Mercado Livre ilustra o tema.

Ao se materializar o risco de perder o investimento para a mais desburocratizada Santa Catarina, o governo do Rio Grande do Sul resolveu se movimentar para atualizar regras burocráticas arcaicas de seu ICMS.

Fosse proibida uma rivalidade entre estados, o Mercado Livre seria obrigado a se submeter às regras arbitrárias ou alternativamente preterir o Brasil em favor de outro país.

A cartelização ou harmonização entre os governos beneficia os países ricos e pune os pobres e emergentes. Uma das formas mais justas para compensar desvantagens regionais de natureza geográfica ou histórica é justamente permitir que as tais jurisdições possam competir oferecendo custos e impostos menores.

As jurisdições mais ricas geralmente possuem melhor infraestrutura e mão de obra mais qualificada que as pequenas.

Mas justiça não é o que eles querem.

Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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