segunda-feira, 29 de junho de 2020

Bioeconomia pode salvar a Amazônia, FSP

Luís Roberto Barroso e Patrícia Perrone Campos Mello

A Amazônia ocupa uma área correspondente a cerca de 40% da América do Sul. A região, de densa floresta tropical, espalha-se por nove países, mas 60% de sua extensão situa-se no Brasil. Na Amazônia legal brasileira, vivem 27 milhões de pessoas.

A região desempenha um papel de grande relevância por três razões principais: a extraordinária biodiversidade, constituindo a maior concentração de plantas, animais, fungos, bactérias e algas da Terra; o papel no ciclo da água e no regime de chuvas, com implicações por todo o continente sul-americano; e a função de grande significado na mitigação do aquecimento global, absorvendo e armazenando dióxido de carbono.

Crianças brincam embaixo de uma árvore na comunidade Rio Novo, na Reserva Extrativista Rio Iriri
Crianças brincam embaixo de uma árvore na comunidade Rio Novo, na Reserva Extrativista Rio Iriri, em Altamira (PA) - Lalo de Almeida - 30.set.16/Folhapress

Entre 1970 e 1990, 7,4% da floresta foram desmatados. O desflorestamento atingiu seu ápice em 2004, alcançando uma área equivalente a 27.772 km2. Nesse ano de 2004, foi deflagrado um ambicioso programa, com medidas que incluíram monitoramento, fiscalização efetiva e combate à grilagem. Os resultados foram notáveis: entre 2004 e 2012, o desmatamento caiu mais de 80%, passando para menos de 4.600 km2. Lamentavelmente, contudo, a partir de 2013 o desmatamento voltou a crescer, chegando a 7.536 km2 em 2018. No ano de 2019, atingiu quase 10 mil km2 e, neste ano, a perspectiva não é melhor.

Organizações ambientais, defensores da floresta e cientistas atribuíram o incremento ao governo, apontando declarações públicas de altas autoridades que sinalizaram desinteresse pela questão ambiental, associadas a atos concretos que implicaram uma substancial alteração das políticas públicas necessárias à prevenção e ao controle do desmatamento. O desgaste internacional do país foi imenso.

A destruição e degradação da floresta amazônica decorrem, sobretudo, de atividades criminosas, como: desmatamento e queimadas (sendo a pecuária o principal agente de desmatamento); extração e comércio ilegal de madeira; e garimpo e mineração ilegais.

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Ao longo do tempo, a Amazônia experimentou atividades econômicas de baixo impacto ambiental (como produção de açaí, babaçu, borracha, castanha do Brasil) e de alto impacto (como agronegócio, extração de madeira e mineração). Tentou-se um modelo híbrido, que também não foi capaz de conter o desmatamento.

Diante desse quadro, cientistas dedicados ao estudo da Amazônia têm procurado desenvolver novas ideias para velhos desafios, apostando em novas tecnologias. A bioeconomia é um modelo econômico que prioriza a sustentabilidade. A ideia é transformar os recursos naturais em produtos de maior valor agregado, gerados e consumidos de forma sustentável.

A aplicação desse modelo à Amazônia tem sido defendida pelo climatologista Carlos Nobre e pelo Instituto Socioambiental, entre outros. A bioeconomia da floresta consiste em utilizar o conhecimento propiciado pelas ciências para a elaboração de novos produtos farmacêuticos, cosméticos e alimentícios, bem como para a pesquisa de novos materiais e soluções energéticas. Exemplo: as plantas da Amazônia contêm segredos bioquímicos, como novas moléculas, enzimas, antibióticos e fungicidas naturais, que podem ser sintetizados em laboratório e resultar em produtos de valor agregado.

Em suma: a maior proteção contra a destruição da floresta é que haja maior racionalidade econômica em preservá-la do que em destruí-la, quer porque a sua preservação gera renda para a população, quer porque gera resultados econômicos substanciais de que o país não pode prescindir --ou, ainda, porque gera avanços biotecnológicos que aproveitam a toda a humanidade.

Existe uma lógica econômica e social na devastação da floresta. É uma lógica perversa, mas poderosa. Para que ela seja derrotada, é necessário um modelo alternativo consistente, capaz de trazer desenvolvimento sustentável, segurança humana e apoio da cidadania. A ignorância, a necessidade e a omissão estatal são os inimigos da Amazônia. A ciência, a inclusão social e a conscientização da sociedade serão a sua salvação.

Luís Roberto Barroso e Patrícia Perrone Campos Mello

Ministro do Supremo Tribunal Federal e professora de direito constitucional; ambos elaboraram estudo sobre o tema, que seria apresentado em abril em Congresso da ONU em Kyoto, no Japão, mas foi adiado em razão da pandemia de Covid-19

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