sábado, 27 de junho de 2020

Rodrigo Zeidan A greve dos entregadores de app, FSP

Trabalho enobrece o homem no dos outros é refresco; ninguém deve se esforçar por ninharia

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SÃO PAULO

A primeira greve geral dos entregadores de aplicativos está marcada para o dia 1º de julho. Essa greve, do ponto de vista econômico, é importantíssima para delinear as relações trabalhistas que vão nortear grande parte dos novos empregos gerados nos próximos anos.

Há um mito em relação ao movimento dos entregadores: que há incompatibilidade entre o interesse deles e dos consumidores, que qualquer aumento de renda para os trabalhadores significaria maior preço para os consumidores. Esse dilema não existe, nem do ponto de vista econômico nem no campo ético.

A greve dos entregadores faz todo o sentido econômico, uma vez que as empresas de aplicativos formam, em relação à sua capacidade de contratar trabalhadores, um oligopsônio.

Esse termo técnico significa que poucas empresas são compradoras de um determinado produto ou serviço —no caso, do trabalho dos entregadores. Em um oligopólio, como no caso de celulares, poucos vendedores (como Apple, Samsung e Xiaomi) têm poder de mercado sobre a venda de produtos. Em um oligopsônio, as empresas conseguem baixar o preço dos salários na marra. Quanto maiores os oligopsônios no mercado de trabalho, menor os salários.

E essa é a evidência que temos. O trabalho de José Azar e coautores (2019) mostra que a produtividade dos trabalhadores, nos Estados Unidos, é 17% maior que seus salários deveriam ser, se não houvesse poder de mercado por parte das empresas contratantes.

Em outro estudo, também de 2019, o resultado é que 60% do mercado de trabalho é altamente concentrado. O resultado de Brad Hershbein e colegas (2019) é também muito claro: um aumento de 1% na concentração do mercado de trabalho é associado com uma redução de 0,14% no salário médio dos trabalhadores.

Flávio Hafner (2020), no contexto francês, mostra o que acontece quando trabalhadores passam a ter mais opções de contratação.

Sua análise depende de um evento que passou a permitir franceses perto da fronteira a trabalhar na Suíça. Nos três primeiros anos, o desemprego dos trabalhadores menos qualificados diminui em 3%, e o salário médio aumentou 1,6%.

E, pior, quanto maior o poder de mercado dos contratantes, menor a taxa de retenção, o que é ruim para todos. E é nesse contexto que devemos analisar a greve dos entregadores de aplicativos.

A briga deles não é por gigantes aumentos de salários, que vão virar taxas absurdamente altas para os consumidores. É conflito contra o poder de mercado das grandes empresas contratantes e que pode trazer, a longo prazo, maiores salários para os entregadores e menores preços para os consumidores, se o aumento da remuneração gerar maior produtividade, menor estresse e maiores taxas de retenção.

Além do argumento econômico, há outro, ético: “Trabalho enobrece o homem” no dos outros é refresco. A sociedade exige salário mínimo porque ninguém deveria trabalhar 200 horas por mês por miséria.

É preferível entregar renda diretamente aos trabalhadores, como a renda básica emergencial, a incentivar trabalho a qualquer custo.

Claro que, do ponto de vista social, quanto mais gente empregada, melhor. Mas ninguém deve entregar esforço por ninharia. Essa greve é um grande movimento de pressão aos empregadores que têm poder de mercado.

Somente com elevada coordenação os entregadores vão realmente conseguir pressionar as empresas de aplicativo. Nosso dever é apoiá-los.

Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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