O que a sequência genética do novo coronavírus conta sobre a transmissão no país
O Brasil está entre os países que mais sofrem com a pandemia da Covid-19. Com mais de 1 milhão de casos e ainda em rumo ao pico da onda de transmissão, devemos esperar muito mais infectados. Estima-se que a cifra de casos ultrapasse os 2 milhões. Não há dúvida de que o número de óbitos será alto, e a contagem acumulada refletirá a triste realidade da saúde brasileira.
Um interessante trabalho de caracterização e análise de sequências genéticas do novo coronavírus, realizado por pesquisadores de várias instituições e liderado pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Oxford, obteve amostras de quase 500 infectados, distribuídos por 18 estados brasileiros. O estudo foi publicado no início de junho.
Discretas modificações observadas nas sequências genéticas permitiram aos pesquisadores determinar quais eram os vírus mais antigos e quais os mais novos, simulando assim um “relógio genético” e confirmando, por exemplo, que o estado brasileiro primeiramente acometido pela pandemia foi São Paulo, por vírus que ali chegaram vindos da Europa e dos Estados Unidos.
A partir de São Paulo, ocorreu uma distribuição sequencial para Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo e Distrito Federal.
Os resultados deste estudo brasileiro, somados aos resultados do sequenciamento genético de milhares de outros casos de infecção pelo novo coronavírus ao redor do mundo, convergem para um mesmo ponto: a impressão de que a transmissão inicial entre humanos se deu em meados de novembro de 2019. Mais precisamente, a disseminação inicial parece ter ocorrido em 17 de novembro daquele ano, com o primeiro caso sabidamente identificado na China.
Outra observação interessante é de que o vírus fixou uma característica genética que favorece sua maior transmissibilidade. Detectada em uma minoria dos vírus isolados na China, ainda no início da pandemia, esta mutação, batizada com a sigla D614G, descrita pelo Instituto Scripps de San Diego, está presente em mais de 90% dos vírus identificados no Brasil.
Certamente, diversas entradas do vírus devem ter acontecido no Brasil, para além do primeiro paciente que chegou da Lombardia, diagnosticado com Covid-19 no dia 25 de fevereiro. Outras entradas do novo coronavírus no país ocorreram principalmente pelos estados de São Paulo, Minas Gerais, Ceará e Rio de Janeiro; e foi a partir delas que ocorreu a disseminação para as diferentes cidades, estados e regiões.
Há duas cadeias de transmissão no país. A primeira, desencadeada em decorrência de viagens curtas, deu-se ao redor dos locais de entrada do vírus no Brasil. Esta cadeia predominou a disseminação do novo coronavírus até meados de março.
A segunda cadeia de transmissão, por sua vez, deu-se entre março e abril e envolveu viagens de maior distância, levando o vírus às regiões Norte e Nordeste, as quais sofreram e ainda muito sofrem com a Covid-19.
A pandemia continua em expansão no Brasil, com comportamentos muito diversos nas diferentes regiões. Isso reflete o fato de sermos um país de grande dimensão territorial, com heterogeneidades geográficas, urbanas, sociais e diferentes estruturas para assistência e prevenção em saúde.
Alguns locais já estão observando queda acentuada no número de casos, como Manaus, Belém e Rio de Janeiro, enquanto outros ainda estão nos passos iniciais do aumento do número de casos.
Novas cadeias de transmissão ainda ocorrerão. Teremos que enfrentar o aumento de casos no Centro-Oeste, no Sul e o pico numérico em algumas capitais do Nordeste. O interior do estado de São Paulo vem apresentando acentuação crítica do total de casos e deverá enfrentar duras medidas para conter o avanço da transmissão.
Além do acompanhamento do número de casos, é importante conhecer as sequências genéticas do novo coronavírus. Afinal, ajuda a compreender os caminhos da disseminação do vírus, antecipar seu provável destino e, assim, implementar medidas de combate à pandemia.
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