Assim como errou na gestão urbana da pandemia durante os três meses de isolamento social, a prefeitura continua se equivocando na flexibilização.
Não vou discutir hoje a precipitada reabertura do comércio, não recomendada pelos especialistas, tema que tratei na coluna de 8/6 (Flexibilização do isolamento e manifestações naturalizam as mortes: Bolsonaro tinha razão?). A lição de casa, incluindo o lockdown, não foi feita, o resultado foi devastador e estamos longe de ver a luz no fim do túnel.
A flexibilização ocorreu no momento em que o município, que tem a maior rede de hospitais e de leitos de UTI do país, vem registrando uma média de mais de mil mortes por semana (entre confirmadas e suspeitas) e alcançou mais de 11 mil mortes, ou seja um óbito para cada mil habitantes, segundo os dados da prefeitura, não contabilizados pelo Estado.
A questão agora é como esse novo normal está sendo gerenciado. O vai e vem na mobilidade continua a ser a marca registrada, denotando um amadorismo, na base da tentativa e erro, que a maior metrópole do país não poderia aceitar. Antes, vimos o bloqueio de avenidas e o rodizio radical virarem grandes fracassos e serem revogados alguns dias depois de adotados. A frota de ônibus foi reduzida para atender o cartel das empresas gerando superlotação e maior transmissão do vírus.
Adotada a flexibilização, há duas semanas o prefeito decidiu que nenhum ônibus deveria transportar passageiros em pé. Para isso, toda a frota, e um pouco mais, precisaria ser colocada na rua, o que não foi feito. Sem alcançar a meta, o secretário se demitiu e o prefeito desistiu da medida.
A gestão Covas demorou mais de dois meses para tentar implementar a proposta que apresentei na coluna em 30/3 (Luzes de esperança em meio a pandemia) de utilização da rede hoteleira para abrigar a população em situação de rua. Não obteve resultado pois as condições oferecidas pela prefeitura para alugar apenas 500 vagas em hotéis (número insuficiente) eram tão inaceitáveis para os estabelecimentos que ninguém topou.
Os shoppings estão abertos e as ruas cheias, mas os parques continuam injustificadamente fechados. Existe alguma razão objetiva para isso? Depois de três meses isolados em casa, os paulistanos estão ansiosos para realizar exercícios físicos ao ar livre, em condições de segurança sanitária, sobretudo quem vive em apartamentos ou moradias de área reduzida e sem sol. Trata-se de uma questão de saúde física e mental, de prevenção a doenças, como diabetes, depressão e ansiedade.
Será que é mais perigoso fazer uma caminhada em um parque, com todos os cuidados e com acesso controlado do que ir bater perna em shopping? Inúmeros os estudos sobre locais de contágio que mostram que a transmissão da Covid-19 é muito mais intensa nos ambientes fechados do que ao ar livre.
Erin Bromage, professor de doenças infecciosas na Universidade de Massachusetts em Dartmouth (EUA), estudioso da pandemia, afirma que a maioria das pessoas é infectada em casa ou em ambientes fechados. Muitas vezes, um membro da família acaba transmitindo a doença a outro por meio de contato contínuo, problema que justifica medidas emergenciais para reduzir o adensamento nas moradias precárias, que também não vem sendo feito pela prefeitura.
Bromage afirma que “corre-se menos perigo em espaços abertos do que fechados. O risco de se infectar em uma caminhada diária no parque é muito reduzida. O vírus acaba se diluindo ilimitadamente ao ar livre", disse em entrevista à BBC. “Quando uma pessoa doente espirra, os germes se dissipam muito rapidamente." Isso significa que é improvável que você seja exposto ao vírus por tempo suficiente para contraí-lo.
O pesquisador registra que pouquíssimos episódios de surto foram relatados em ambientes externos. O vento e o espaço diluem a carga viral e a luz solar, o calor e a umidade também afetam a sobrevivência do vírus. Ao manter a distância social e limitar a duração das interações, podemos reduzir ainda mais o risco.
De acordo com Bromage, deve-se avaliar criticamente nossas atividades em termos de risco. Se você estiver dentro de casa, considere o ambiente, o número de pessoas e quanto tempo você passará lá. "Se você está sentado em um espaço bem ventilado com poucas pessoas, o risco é baixo", diz ele. Lá fora, o risco de infecção é muito menor porque as gotículas infectadas se dissipam mais rapidamente.
Pesquisadores espanhóis chegaram às mesmas conclusões. Para Antoni Trilla, epidemiologista e assessor do comitê científico do governo espanhol, em lugares fechados é mais provável que se concentrem partículas em suspensão e que elas sejam inaladas. “Se mantivermos distâncias ao ar livre, a possibilidade de contágio é muito, muito baixa”.
Ildefonso Hernández, professor e porta-voz da Sociedade Espanhola de Saúde Pública e Administração Sanitária, afirma que em todos os estudos publicados apontam que grande parte dos surtos explodiu em lugares fechados: moradias, empresas, restaurantes, lojas, templos religiosos, hospitais, hotéis, funerais, conferências. “Também podem ocorrer em locais abertos, mas o risco é muito menor”, diz.
Para María del Mar Tomás, microbiologista da Sociedade Espanhola de Doenças Infecciosas e Microbiologia Clínica, “também não deveríamos relaxar ao ar livre. Ela recomenda não descuidar das distâncias de segurança também em espaços abertos, mas acha que “é melhor realizar as reuniões com familiares e amigos ao ar livre do que em lugares fechados”.
Na maior investigação sobre focos de contágio, feita na China, foram rastreados mais de 7.000 casos de infecções, procurando os focos de origem. “A grande maioria ocorreu dentro de casa e no transporte. Foi detectado somente um caso de contágio em ambiente exterior, com duas pessoas envolvidas, que se encontraram na rua e conversaram durante certo tempo”, diz Luis Jiménez, do Centro de Modelos Matemáticos para Doenças Infecciosas.
Nessa fase de flexibilização, não há razão para se manter os parques municipais e estaduais fechados. Uma competente gestão desses parques, que são cercados, pode estabelecer o número máximo de frequentadores e o tempo máximo de permanência (por exemplo, duas horas), a reserva antecipada por aplicativo, como é feito em museus, controle de entrada e restrições de uso, como proibição de piquenique e de aglomerações.
Certamente, caminhar nos parques é melhor do que passear em shopping ou circular nas calçadas estreitas e esburacadas de São Paulo. Requer apenas uma gestão competente e não as trapalhadas que estão sendo promovidas em série pela gestão Bruno Covas.
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