Enquanto havia os cantores e os compositores, as músicas atravessavam gerações
O que tinham em comum Carmen Miranda, Aracy de Almeida, Dircinha Baptista, Dalva de Oliveira, Linda Baptista, Elizeth Cardoso, Marlene, Nora Ney, Doris Monteiro, Angela Maria, Sylvia Telles, Elza Soares, Nara Leão, Elis Regina? Foram algumas das maiores cantoras brasileiras. E eram cantoras-cantoras, não compositoras-cantoras. Nenhuma jamais botou uma semifusa ou palavra no papel. Tinham quem fizesse isso para elas: Ary Barroso, Assis Valente, Noel Rosa, Wilson Baptista, Ataulpho Alves, Dorival Caymmi, Herivelto Martins, Lupicinio Rodrigues, Billy Blanco, Antonio Maria, Tom Jobim, Baden Powell, Zé Kéti, Edu Lobo —todos eles, compositores-compositores, não compositores-cantores.
É verdade que Noel, Ataulpho, Caymmi, Jobim e Zé Kéti também cantavam, mas só depois que suas músicas já tinham passado para a eternidade na voz dos cantores profissionais, homens ou mulheres. E não se diga que Dolores Duran e Maysa foram exceções entre as mulheres. Dolores levou toda a sua vida profissional como cantora e só no fim revelou-se fabulosa compositora. E Maysa, que começou cantando suas músicas, logo as trocou pelo grande repertório à sua disposição.
Escrevo isso porque alguns leitores se deixaram tocar por minha coluna de sexta (28), em que falei da antiga e benigna cadeia de compositores e cantores, que fazia com que uma música tivesse sucessivas gravações diferentes e atravessasse gerações. Cadeia esta que se rompeu a partir dos anos 80, quando os grupos ou cantores passaram a cantar apenas o que compunham.
Em consequência, desapareceram os cantores-cantores, os compositores-compositores e, exceto por heroísmos particulares e autofinanciados, a gravação de discos de música instrumental. Para ser justo, essa quebra aconteceu em grande parte da música popular do mundo.
Pior para a música popular e pior para o mundo.
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