O conceito de quarentena surgiu durante a Grande Peste de 1348. Em Veneza, navios que chegavam à cidade eram obrigados a parar numa ilha próxima à cidade, hoje chamada Lazaretto Vecchio, por 40 dias antes de poder descarregar. Lá, ainda hoje arqueólogos topam com valas coletivas.
A peste bubônica continuaria a castigar a humanidade muito depois da pandemia medieval que removeu até um terço da população da Europa. Surtos continuaram a ocorrer até a criação da medicina científica no final do século 19.
Um deles seria o de Londres em 1665, que mataria até 100 mil pessoas, ou um quarto da população do lugar que disputava com Paris o título de maior cidade do mundo cristão. Foi em setembro desse ano que o alfaiate da pequena vila de Eyam – então com, estima-se, 800 habitantes e ainda hoje com menos de 1000 – recebeu um carregamento de tecidos da capital. Neles, pulgas contaminadas. Em seis semanas, as 29 primeiras vítimas haviam perecido.
O surto pareceu arrefecer ao fim do ano, com a chegada do inverno e, em maio de 1666, não havia mais nenhum caso. Foi quando a doença renasceu na forma pneumônica, mais fácil de passar. E, diante disso, houve uma troca de liderança. O reitor – o equivalente a padre na Igreja Anglicana, que não usa o título protestante de “pastor” – William Mompesson tomou o lugar do puritano Thomas Stanley como líder da cidade, com a promessa de tomar medidas enérgicas. E tomou. O religioso devisou um plano tanto radical quanto altruísta: Eyam entraria em quarentena voluntária e absoluta. A cidade ficava numa rota comercial importante entre Sheffield e Manchester, e poderia arrasar os dois centros urbanos.
Um círculo de pedras foi estabelecido a uma milha (1.609 m) do centro da cidade. Ninguém entrava nem saía. Os habitantes sobreviviam de comprar alimentos na borda do círculo, pagando com moedas embebidas em vinagre, o que acreditavam poder desinfetá-las.
Rapidamente, a pequena vila se tornou um cenário desolador. As pessoas tiveram que enterrar seus próprios entes queridos. Elizabeth Hancock, uma das moradoras da cidade, teve que, em oito dias, enterrar seus seis filhos e o marido. O reverendo Mompesson determinou que os cultos passassem a ser celebrados ao ar livre, e muitos dos sobreviventes foram os que se isolaram em choças longe do centro da vila. Em uma carta, o líder descreveu a situação: “Meus ouvidos nunca escutaram tamanha e tão dolorosa lamentação. Meu nariz nunca percebeu cheiros tão horrendos, e meus olhos nunca contemplaram espetáculos tão tétricos. Era o Gólgota, um lugar de caveiras”.
Sob a enérgica liderança de Mompesson, que sobreviveria, mas perderia a esposa, a quarentena iria até o fim. Os números são discutidos ainda hoje entre historiadores: Eyam pode ter perdido 260 mortos de uma população de 350, ou 370 de 800, ou 273 (o número oficial registrado na paróquia) de 800. Seja como for, em seu sacrifício abnegado, correto e visto como muito cristão, a vila evitou que qualquer cidade próxima fosse contaminada, e que o surto no país fosse pior, talvez salvando centenas de milhares. Ainda hoje, todo primeiro domingo de agosto, o sacrifício é relembrado na paróquia da vila. Na cultura britânica, o martírio de Eyam foi celebrado em verso, prosa, teatro, música e até óperas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário