Jason Horowitz e Emma Bubola, The New York Times
17 de março de 2020 | 13h00
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ROMA - Por volta da meia-noite de quarta-feira, 11, Renzo Carlo Testa, 85 anos, morreu do novo coronavírus em um hospital na cidade italiana de Bergamo, no norte da Itália. Cinco dias depois, seu corpo ainda estava em um caixão e era apenas um entre as dezenas de caixões alinhados aos pés da igreja do cemitério local, que está fechada ao público.
Sua esposa por 50 anos, Franca Stefanelli, gostaria de lhe dar um funeral adequado. Mas os serviços funerários tradicionais tornaram-se ilegais em toda a Itália agora, o que faz parte das restrições nacionais contra aglomerações e saídas que foram adotadas para tentar impedir a propagação do pior surto de coronavírus na Europa. De qualquer forma, ela e os filhos não poderiam comparecer, porque estão doentes e em quarentena.
"É uma coisa estranha", disse Franca, de 70 anos, com dificuldades para explicar o que ela estava sentindo. "Não é raiva. É impotência diante desse vírus. "
A epidemia de coronavírus que assola a Itália já deixou ruas vazias e lojas fechadas, já que 60 milhões de italianos estão essencialmente em prisão domiciliar. Médicos e enfermeiros exaustos estão trabalhando dia e noite para manter as pessoas vivas. Crianças estão pendurando desenhos de arco-íris em suas janelas e famílias começaram a cantar em suas varandas.
Mas a métrica final de pandemias e pragas são os corpos que ficam para trás. Na Itália, com a população mais velha da Europa, o preço pago está sendo pesado, já que o país tem o maior número de mortes depois da China. Só na segunda-feira, mais de 300 pessoas morreram.
E os corpos estão se acumulando na região norte da Lombardia, especialmente na província de Bergamo. Com 3.760 casos registrados na segunda-feira, um aumento de 344 casos em relação ao dia anterior, segundo as autoridades, a região está no centro do surto.
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Os necrotérios do hospital estão superlotados. O prefeito de Bergamo, Giorgio Gori, emitiu um decreto que fechou o cemitério local esta semana pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, contudo ele garantiu que o necrotério ainda aceitaria caixões. Muitos deles foram enviados para a Igreja de Todos os Santos em Bergamo, localizada no cemitério fechado, onde dezenas de caixões de madeira encerados formam uma linha macabra para cremações.
"Infelizmente, não sabemos onde colocá-los", disse Marco Bergamelli, um dos sacerdotes da igreja. Ele disse que, com centenas morrendo a cada dia, e com cada corpo levando mais de uma hora para ser cremado, havia um atraso terrível. "Leva tempo e são muitos mortos."
Uma lei nacional de emergência publicada na semana passada proibiu cerimônias civis e religiosas, incluindo funerais, para impedir a propagação do vírus. As autoridades permitiram que os padres fizessem uma oração nos enterros assistidos por apenas alguns dos enlutados. Em suas breves orações aos familiares, que usavam máscaras, Bergamelli disse que tentou dar consolo e esperança e pediu que as pessoas se tornassem mais próximas, se estivessem autorizadas, daqueles que estavam sozinhos. "Essa tragédia nos lembra de amar a vida", disse ele.
O aviso de morte de Testa apareceu na sexta-feira em um jornal local, L'Eco di Bergamo. O jornal geralmente tem uma única página para o obituário. Na sexta-feira, havia 10 páginas e o restante foi dedicado ao vírus devastador em Bergamo.
"Para nós, é um trauma, um trauma emocional", disse Alberto Ceresoli, que edita o jornal. “São pessoas que morrem sozinhas e que são enterradas sozinhas. Elas não tiveram alguém segurando sua mão, e os funerais precisam ser breves, com apenas uma rápida oração do padre. Muitos dos parentes próximos estão em quarentena.”
Giorgio Valoti, prefeito de Cene, cidade próxima de Bergamo, morreu na última sexta-feira. Ele tinha 70 anos. Seu filho, Alessandro, disse que 90 pessoas morreram no mesmo dia no principal hospital de Bergamo. O vírus “está massacrando este vale; todas as famílias estão perdendo alguém querido”, disse ele. "Em Bergamo, são tantos corpos se acumulando que já não se sabe o que fazer com eles".
Em Fiobbio, um povoado nos arredores de Bergamo, uma ambulância veio buscar o pai de Luca Carrara, 86 anos, no sábado. No domingo, outra veio buscar a mãe, de 82 anos. Carrara, de 52 anos, não pôde visitá-los no hospital e ficou em casa em quarentena, onde começou a mostrar sintomas do vírus. Na terça-feira, 10, seus pais morreram. Seus corpos são mantidos no necrotério do hospital e aguardam a cremação.
"Sinto muito por eles ainda estarem lá", disse ele. "Ainda mais sozinhos."
Luca di Palma, de 49 anos, disse que seu pai, Vittorio, de 79 anos, morreu na noite de quarta-feira e que a funerária para a qual ele ligou disse que não havia espaço para o corpo. Em vez disso, os trabalhadores entregaram em sua casa um caixão, algumas velas, uma cruz e uma geladeira mortuária para que ele pudesse deixar o pai na sala de estar. Ele disse que ninguém veio prestar homenagem, por medo de contágio, embora seu pai tivesse morrido antes de ter sido confirmado como um caso de coronavírus, e os médicos se recusaram a realizar um teste de cotonete post mortem.
No sábado, di Palma seguiu um carro fúnebre carregando o corpo do pai até um cemitério em Bergamo, onde um zelador os deixou entrar e trancou os portões. Um padre chegou para fazer uma breve oração sobre o carro fúnebre, com o bagageiro levantado. Di Palma disse que seu pai queria ser cremado, mas a espera foi longa. "É doloroso", disse ele.
Em um país onde muitos aprendem na escola sobre o temido Monatti, que, precedido pelo toque de um pequeno sino, buscava cadáveres em carroças durante a praga de Milão do século 17, a acumulação de cadáveres parece uma cena de outra época.
Alessandro Bosi, secretário da Federação Nacional de Casas Funerárias, disse que o vírus também pegou a indústria mortuária de surpresa, tendo que lidar com os mortos sem máscaras ou luvas suficientes. Enquanto as autoridades de saúde dizem que não acreditam que o vírus possa ser transmitido postumamente, Bosi disse que os pulmões de um cadáver frequentemente liberam ar ao serem movidos.
"Temos que considerá-los da mesma maneira que tratamos indivíduos infecciosos e tomar o mesmo cuidado", disse ele.
"Se não formos nós que recolhermos os mortos", acrescentou, "eles terão que chamar o exército". / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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