A sociedade contemporânea é pautada pelo que fazemos, como construímos nossas relações com os outros e na forma como consumimos os bens produzidos. Somos indivíduos sociais, e não eremitas isolados no mundo. Além disso, afirmamos nossa posição social com base naquilo que possuímos, nos lugares que frequentamos, nos relacionamentos que estabelecemos, no estilo de vida que escolhemos e na nossa reputação.
A evidente mudança na forma como interagimos uns com os outros e com o consumo está transformando o ser humano, que está muito mais exposto à opinião dos outros e a uma maneira diversa da tradicional em termos de acesso.
Em poucos cliques, todos nós podemos contar experiências, engajar grandes grupos contra uma política empresarial, denunciar ações, avaliar produtos, opinar sobre os mais variados temas, encurtar distâncias e ter acesso com um padrão de maior equidade mesclando um liberalismo com o direito social.
O coronavírus não é uma família nova no mundo. Este tipo mais recente era desconhecido. Tem características de ser muito mais transmissível; porém, até menos grave que os anteriormente descritos. Entretanto, justamente por seu alto potencial de disseminação, tem maior impacto.
Em 80% dos casos a Covid-19 será resolvida ambulatorialmente, e 20% dos pacientes infectados necessitarão de internação, sendo que 5% precisarão de recursos de terapia intensiva com ventilação. O problema está numa eventual necessidade da utilização em massa desses recursos, e aí o sistema de saúde não suportará.
Comunidade médica e autoridades demonstram pleno entendimento desse processo, atuando de maneira correta —com os limites evidentes. Estamos buscando aquilo que se chama achatamento epidemiológico para que os casos graves não aconteçam de forma simultânea a ponto de saturar o sistema.
A questão é o sistema de saúde e como sua estrutura tem sido planejada frente às necessidades da sociedade e diante das oportunidades que o mundo contemporâneo apresenta. Não é o caso aqui de criticar o modelo centrado no hospital, pois ele sempre será referência, mas vale a pena questionar novamente: para que servem os hospitais que têm sido tomados, em grande maioria, por casos de baixa complexidade?
Não é de hoje que chamo a atenção para que tiremos de dentro do hospital o que pode ser resolvido com alternativas de natureza ambulatorial. Não se trata de tarefa fácil, pois exige altos investimentos, tanto em infraestrutura como recursos humanos, além da desmistificação do modelo hospitalocêntrico. Embora já tenhamos avançado nessa direção, sigo defendendo uma maior flexibilização dos atos da assistência e volto a insistir na necessidade de maior aproveitamento da tecnologia. O uso da telemedicina, por exemplo, facilitaria acesso, monitoramento, acompanhamento e, sobretudo, racionalização dos recursos para o que é mais simples. Um país onde o número de aparelhos celulares ultrapassa o número de cidadãos e 85% das pessoas vivem em cerca de 450 cidades está bem estabelecido no mundo digital.
No modelo de transmissão comunitária, a simples visita de qualquer pessoa a um ambiente hospitalar potencializa o risco de contaminação, sendo que muitas vezes esta busca poderia ser feita de forma remota. Pacientes que precisam apenas de orientação e acompanhamento acabam procurando hospitais e, muitas vezes, são admitidos, ocupando espaço de quem de fato necessitaria daquele tipo de instalação.
Neste momento, muito se fala sobre a falta de recursos. Mas, além de recursos, faltam organização de estrutura, engajamento por parte do próprio paciente, maior integração de times na prática do atendimento e utilização do mundo digital que aproxima e democratiza o processo assistencial.
Quem sabe a partir desta pandemia a sociedade possa estar preparada para ser menos corporativista e mais comprometida com a ética relacional. O mundo está mudando e temos que evoluir. Vamos superar o coronavírus com duras perdas, mas a sociedade tem que aprender a viver num novo padrão relacional.
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