quinta-feira, 19 de março de 2020

Como manter a saúde mental durante o isolamento social? Psicólogo explica - FSP

Sílvia Haidar
A recomendação é: fique em casa. Na televisão, nos jornais, nas redes sociais, médicos e autoridades de todos o país pedem para que a população saia o mínimo que puder.
Na pandemia do novo coronavírus, não podemos pensar só em nós mesmos, mas também nas saúde pública. O jeito é aceitar que eventos culturais e esportivos estão sendo cancelados, além do fechamento de escolas e de shoppings, e aproveitar da melhor forma possível o isolamento em casa.
“Não é a primeira vez que a humanidade enfrenta uma crise desse tamanho ou o isolamento social, mas essa é a primeira fez que a humanidade tem tantos recursos à sua disposição”, afirma o psicólogo e presidente do instituto Janeiro Branco, Leonardo Abrahão.
“Temos as redes sociais para nos comunicarmos, além do conhecimento e tecnologia científicos sobre remédios para enfrentar uma doença. Nunca tivemos tantas informações médicas e psicológicas para enfrentar uma fase como essa. Nunca estivemos tão preparados para superar qualquer adversidade que pudesse ameaçar a humanidade”, observa.
Para ele, é preciso manter o pensamento positivo e a interação social, mesmo que virtualmente. Leia abaixo a entrevista.
A pandemia de coronavírus está fazendo com que as pessoas passem mais tempo em casa e evitem sair da rua. Como manter a saúde mental durante o tempo de isolamento social?
Manter a saúde mental em tempos de isolamento social pressupõe três grandes questões e atitudes por parte de todo mundo. Primeiramente, entender o sentido do que está acontecendo. Nós, seres humanos, somos movidos por sentidos, como já dizia Friedrich Nietzsche, como já dizia Viktor Frankl, pai da logoterapia. Quando compreendemos o sentido de algo que está acontecendo conosco, fica mais fácil lidar com isso e passar por qualquer processo.
Para Nietzsche e Frankl, quem tem um propósito, suporta melhor as adversidades. Frankl ficou preso em um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Ele sempre disse que os motivos e propósitos que tinha em sua mente para depois que saísse daquela situação eram o que davam forças a ele. Então, se nós compreendermos o sentido legítimo do que está acontecendo conosco, fica mais fácil superar o processo.
É fácil a gente entender que o sentido desse isolamento é bastante legítimo. Não é um isolamento produto de uma violência social ou institucional contra as pessoas. É um isolamento em benefício da nossa própria saúde particular e também em benefício da saúde coletiva. Compreender esse sentido legítimo torna mais fácil compreender e lidar com esse processo.
A segunda coisa muito importante é que nós precisamos ter informações atualizadas de qualidade, divulgadas pelas autoridades da saúde pública. Se temos as informações atualizadas, conseguimos entender melhor tudo o que está acontecendo e conseguimos passar por esse processo de maneira mais saudável.
Mas, nesse ponto, é preciso prestar atenção a um aspecto: a atualização não significa se afundar em informações. Não significa buscar informações o tempo todo em todas as fontes possíveis. É preciso buscar fontes seguras e evitar as fake news, a enxurrada de notícias sensacionalistas, descompromissadas com a ética e com a verdade.
Essa atualização pode acontecer apenas uma ou duas vezes por dia. Não é para ficar de cinco e cinco minutos atrás de notícia. Porque o excesso de informação dificulta o processo de filtrar o que é legítimo e acaba nos deixando mais ansiosos.
E, por fim, uma terceira questão muito importante para lidar de uma maneira mais saudável com esse isolamento é buscar orientações de profissionais da saúde mental. Psicólogos e psiquiatras já têm muito conhecimento a respeito de como lidar com isolamento e situações estressantes que geram ansiedade.
Muitas pessoas estão vendo eventos culturais sendo cancelados, como shows que já tinham ingresso comprado, ou mesmo tendo que cancelar festas de aniversário e casamentos. Como superar essa frustração? 
A primeira coisa que devemos fazer em relação a qualquer sentimento que possa surgir é reconhecê-lo. Nós não podemos negar os nossos sentimentos. É importante olhar para esse sentimento, entender a origem dele, e também avaliar a sua intensidade. Isso é ser honesto consigo mesmo.
A avaliação da intensidade é importante porque, se de repente a gente percebe que a nossa reação ou mesmo a de um ente querido é desproporcional ao ocorrido, talvez outras questões, também de ordem psicológica, subjacentes à nossa frustração, estejam nos levando a reações desproporcionais. Talvez seja o caso de buscarmos ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra. Hoje já podemos até fazer psicoterapia online, ainda mais em tempos de isolamento. Talvez valha a pena investigar por que tanta desproporcionalidade numa situação.
Depois desse reconhecimento, de dialogarmos com nós mesmos, entendendo essa frustração, precisamos fazer alguns exercícios mentais, precisamos desenvolver alguns raciocínios que nos ajudam emergencialmente a processar essa frustração.
Em primeiro lugar, devemos reconhecer que a vida, a paz pública, a saúde coletiva, são mais importantes, são valores mais significativos do que os nossos interesses particulares. Se a gente coloca na balança que a saúde pública e a vida –não só a minha vida, mas a da população– em contraposição ao nosso interesse particular, talvez fique mais fácil elaborar essa frustração.
E também devemos entender que essa frustração é transitória. Em breve, assim como na China a vida já está voltando gradativamente ao normal, a nossa vida voltará ao normal e poderemos remarcar e vivenciar tudo o que fazíamos antes da pandemia.
Todos os eventos que estão sendo cancelados serão reprogramados para datas futuras. Em breve, poderemos voltar a fazer tudo o que desejarmos, em condições mais saudáveis e responsáveis.
E se houve prejuízo financeiro nesse processo, entender o sentido disso, entender a importância desses cancelamentos.
A falta de contato social pode agravar sintomas de depressão e ansiedade em quem já sobre com esses transtornos? O que fazer driblar isso? 
Sim. O isolamento social tem o potencial de agravar possíveis sintomas desses transtornos. É importante que esses indivíduos que tenham algum transtorno, que já conhecem algumas questões em relação à sua própria saúde mental, devem conversar com seus médicos e psicólogos sobre o que estão sentindo. Isso ajuda muito. Se você tem um transtorno, já enfrenta um problema de saúde mental, e tem um médico ou psicólogo que o acompanha, vale a pena estreitar os laços e reportar a ele como você está.
Porque esse profissional vai poder avaliar se é necessário a intensificação do tratamento que já é realizado, seja psicoterápico ou medicamentoso.
Além disso, é importante que os familiares ou amigos de pessoas que já sofrem de algum transtorno mental tenham a sensibilidade em perceber que esses sintomas podem ser agravados por causa do isolamento. Isso significa ter mais paciência com essas pessoas, ser mais solidário e mais presente, mesmo que virtualmente. Essas atitudes funcionam como uma espécie de suporte a quem sofre com algum problema de saúde mental.
Para essas pessoas que sofrem de algum transtorno mental é muito importante que elas entendam que problemas novos necessitam de soluções novas. Elas podem conversar com os profissionais que já as acompanham sobre novas maneiras de lidar melhor com seus problemas durante o isolamento.
A tecnologia pode ajudar nesse momento? Criar um grupo de WhatsApp, ligar para os parentes mais idosos, que devem estar mais assustados com a pandemia, são boas iniciativas? O que mais pode ajudar? 
Sim. Chegou a hora de a humanidade mostrar os potenciais benéficos e saudáveis das novas tecnologias de comunicação. Chegou a hora de gravarmos vídeos, tutoriais, criar grupos no WhatsApp, compartilhar dicas de filmes, de documentários, de séries. Mostrar para as pessoas como elas podem acessar canais no YouTube, assinar serviços de streaming ou ensinar como acessar conteúdos gratuitos para quem não tem condições financeiras. Chegou a hora de disseminar o máximo de informações possíveis sobre como podemos ter qualidade de vida, mesmo durante essa situação de isolamento legítimo.
Imagina que legal seria se as pessoas pudessem, durante esse tempo, aumentar seus conhecimentos, assistindo a filmes que nunca viram, como uma produção asiática, ou um documentário sobre história?
As novas tecnologias não se resumem apenas ao WhatsApp, apesar de esse aplicativo ser um recurso extremamente valioso para enfrentar os efeitos colaterais do isolamento.
Antes mesmo da crise do novo coronavírus, já existiam estudos mostrando como o WhatsApp e o Facebook, por exemplo, têm resgatado a autoestima, principalmente de pessoas idosas, que já viviam em situação de isolamento social, não necessariamente legitimo, mas muitas vezes por causa do descaso ou do desinteresse da sociedade ou de abandono e violência por parte da própria família. A redes sociais facilitam as possibilidades de interação de idosos e pessoas em situação de isolamento não legítimo.
Para quem mora sozinho e não pode sair de casa porque já sofre de doenças respiratórias, por exemplo, o que pode fazer para se sentir menos sozinho?
As pessoas que já possuem comorbidades que as tornam mais frágeis contra o novo coronavírus precisam realmente entender o sentido desse isolamento para enfrentar esse período de maneira mais saudável e mais produtiva. Além disso, elas precisam mais ainda ter acesso às redes sociais e novas tecnologias para conseguirem manter suas interações sociais, sentirem-se presentes no universo da família ou dos amigos, sentirem-se incluídas na vida social, mesmo que de forma virtual.
E, principalmente, elas precisam ser orientadas pelos profissionais que cuidam delas sobre o poder altamente benéfico e terapêutico de práticas complementarem que podem ajudá-las a ocupar o tempo com conteúdos saudáveis. Como, por exemplo, a meditação, as práticas de mindfulness.
Muitos profissionais já estão fazendo home office, mas não se sentem bem trabalhando sozinhos. O que pode ajudar a diminuir o desânimo nessas horas?
Talvez seja a hora de essa pessoa perceber a oportunidade que a adversidade está lhe dando para olhar para si mesmo, para seu trabalho de uma forma que dificilmente encontraria em outra situação.
Por exemplo, é possível alternar o tempo em home office das atividades profissionais com a exploração do ambiente da casa, com as pessoas que também estão lá, como os filhos, a esposa, o marido. Explorar essa oportunidade que ganhou para interagir mais com essas pessoas. Fazer essa oscilação, alternando entre a produtividade e a família.
A situação de isolamento traz oportunidades e novidades para todos os seres humanos. É impossível que a vida continue exatamente como se nada estivesse acontecendo. Transferir o ambiente tradicional de trabalho para a casa não significa transferir a mesma visão, a mesma posição, os mesmo ritmos.
É importante olhar para essas novas oportunidades, que vieram por motivos de forças maiores, e aproveitarmos dentro da nossa criatividade, da nossa capacidade de inovação. Como as tradições orientais sempre dizem, toda crise também traz renovação.
Quais dicas práticas você pode dar para sobreviver mentalmente ao isolamento social?
Com base nos conhecimentos já produzidos pelas ciências relacionadas à saúde mental, com base no documento que a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou no último dia 12, é possível apontar ao menos 12 orientações para a manutenção da saúde mental e da saúde física.
  1. Evitar qualquer tipo de preconceito em relação a esse vírus. Preconceitos atrapalham o enfrentamento dos problemas e distorcem a realidade. É uma pandemia séria e não vai ser por meio de preconceitos que vamos nos proteger
  2. Nunca devemos reduzir as pessoas às doenças que elas possam ter. Nenhuma doença define uma pessoa. Não devemos falar em pessoas doentes ou contaminadas, porque senão vamos criar estigmas que deterioram a saúde mental dessas pessoas
  3. Nós somos seres necessitados de informações para saber como agir. Então vamos evitar as fake news, que podem provocar pânico e ansiedade nas pessoas
  4. Considerar a condição social do ser humano. Nós precisamos ser solidários. A solidariedade é um fator de proteção tanto para nós quanto para o outro. Porque somos seres biológicos, mas também sociais. Precisamos construir pontes, estabelecer redes, ser úteis para a sociedade. Ajudar quem está precisando, compartilhar recursos, oferecer serviços a pessoas que dependem da gente
  5. Se você conhece histórias de superação, de pessoas que foram contaminadas e já se curaram [são mais de 84.000 pacientes que se recuperaram da Covid-19 até a manhã está quinta, 19], compartilhe com os outros. Seres humanos são movidos por sentimentos, e sentimentos positivos nos fazem muito bem
  6. Respeite os profissionais de saúde, as pessoas que estão na linha de frente do enfrentamento da doença, como médicos, enfermeiras, recepcionistas dos hospitais, psicólogos que estão recebendo demandas de pessoas entrando em pânico. Vamos respeitar esses profissionais para que eles possam dar respostas ainda mais positivas para a população
  7. Se você é um profissional da saúde, você também tem que descansar. Tem que criar uma estratégia de olhar para as suas próprias necessidades e descansar seu corpo e sua mente
  8. Tenha atenção em relação às crianças, para que elas possam manifestar suas dúvidas e seus medos. As crianças estão acompanhando as notícias e também estão em isolamento. Elas estão vendo a modificação na rotina de todos ao seu redor. É preciso conversar com as crianças para que elas entendam o que está acontecendo
  9. As crianças precisam estar junto aos seus responsáveis, mesmo que virtualmente, para que elas se sintam próximas das pessoas que elas confiam, elas devem se sentir amparadas
  10. Investir em redes sociais e manter a conexão com as pessoas, mesmo que apenas virtualmente. Vamos investir na tectologia para poder vivenciar um isolamento não absoluto
  11. Tentar manter as atividades físicas e a alimentação saudável. Tentar fazer exercícios regularmente, usando o espaço da casa e o que nos resta de espaço aberto e seguro. As pessoas podem ir a praças e manter uma distância segura umas das outras para não se contaminar, usufruir da circulação natural de ar, do Sol
  12. Mantenha o sono de forma regular para reparar as energias e ter o pensamento otimista. Não é a primeira vez que a humanidade enfrenta uma crise desse tamanho ou o isolamento social, mas essa é a primeira fez que a humanidade tem tantos recursos à sua disposição. Temos as redes sociais para nos comunicarmos, além do conhecimento e tecnologia científicos sobre remédios para enfrentar uma doença. Nunca tivemos tantas informações médicas e psicológicas para superar uma fase como essa. Nunca estivemos tão preparados para enfrentar qualquer adversidade que pudesse ameaçar a humanidade
Além do isolamento social, muita gente está com medo de uma recessão econômica e de perder o emprego, os clientes. O que fazer para diminuir a ansiedade nesses casos? 
Existe uma diferença entre a ansiedade normal nessa situação e a ansiedade patológica. Nessa situação, as pessoas vão se sentir desafiadas. E as pessoas acabam ligando o alerta em relação a tudo que precisam prestar atenção, compreender e enfrentar. Caso a pessoa perceba que sua ansiedade a está colocando numa condição de completo desequilíbrio e desarmonia, a ponto de não conseguir realizar suas funções do dia a a dia, isso pede uma observação profissional. É indicado procurar um psicólogo ou um psiquiatra.

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