Nossa sede de expressão não pode se limitar ao sustento de hoje e amanhã
O romancista Théo-Filho (1895-1973) foi um dos escritores do Rio dos anos 20 que exploraram a questão social do Brasil e deixaram muito material sobre sua época. Assim como Julia Lopes de Almeida, Carmen Dolores, João do Rio e Orestes Barbosa, interessou-se pelas condições dos prisioneiros da Casa de Detenção, a maior penitenciária do país e tão desumana quanto as de hoje. Théo-Filho frequentou-a inclusive na condição de presidiário, em 1916, encarcerado por reagir armado a uma agressão na rua.
Nos três meses que levou na Detenção, escreveu o livro "Do Vagão-Leito à Prisão". Pôde fazer isso confortavelmente, porque seus amigos lhe levavam penas, papel e tinteiros —ainda raras as "canetas de tinta". Mas Théo-Filho dividia o material com seus colegas de cela que também queriam escrever, os "poetas da prisão". Alguns, quase analfabetos, usavam o que tivessem à mão para se expressar.
Escreviam a lápis nos papéis amarrotados que encontravam, nas costas dos maços de cigarros, abertos e esticados, ou nas margens dos jornais que alguém esquecia por lá. Quando o lápis se reduzia a um toco pouco maior que suas unhas, escreviam a giz no chão ou a carvão nas paredes e, em último caso, com as próprias unhas, que ninguém lhes vinha cortar. O importante era escrever, quase sempre um soneto sobre a mulher que tinham perdido ou que os abandonara.
Neste momento, também somos prisioneiros. Por sorte, não nos faltam tinta, canetas, teclados. Não temos de escrever com as unhas nas paredes. Por isso, nossa sede de expressão não pode se curvar às atuais limitações do mercado.
Pintores, músicos, atores, poetas e estudiosos das várias disciplinas precisamos continuar a tentar produzir, ainda que para nós mesmos, para os vizinhos ou para as redes sociais. E não só para o sustento de hoje e amanhã. Temos de estar prontos para quando as celas se abrirem.
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