domingo, 1 de março de 2020

Paulo Guedes, um novo desenvolvimentista?, FSP

A economista Laura Carvalho, naturalmente em tom de galhofa, perguntou no seu Twitter: “É impressão minha ou de uma hora pra outra apareceram centenas de novos desenvolvimentistas à la Bresser dando aula sobre as maravilhas do câmbio competitivo pra tentar salvar a fala do Paulo Guedes?”
A galhofa não foi comigo, mas com os novos convertidos... Pois é, Laura, o ministro está feliz porque a taxa de juros caiu e a taxa de câmbio está competitiva. Mas isso não o faz um desenvolvimentista; mostra apenas que é inteligente. Para ser um “neodesenvolvimentista” não é simples assim. É preciso reconhecer que o mercado é insubstituível nos setores competitivos da economia, mas saber que o Estado é o instrumento de ação coletiva por excelência das boas sociedades.
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O professor e economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda - Karime Xavier - 17.dez.19/Folhapress
Eu realmente venho há 20 anos afirmando que uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo, causada por uma taxa de juros alta e uma doença holandesa não neutralizada, é um dos dois fatos históricos novos que explicam os baixos investimentos privados e a quase-estagnação da economia brasileira desde 1990. O outro é a baixa da poupança pública e o resultante baixo investimento público. 
De repente, parece que um dos problemas foi resolvido. Não foi. A taxa de juros baixou, mas ainda é relativamente alta, e não há nenhuma garantia de que permaneça no atual nível dado o déficit em conta-corrente e a fuga de capitais. Por outro lado, a doença holandesa continua a não ser neutralizada —ela apenas perdeu força porque o preço das commodities está baixo.
O Banco Central certamente baixou os juros. Mas será que deixou de ser uma instituição a serviço de rentistas e financistas por isso? Ou baixou os juros porque a enorme recessão e a queda radical da taxa de inflação o obrigaram?
A segunda alternativa é provavelmente mais correta. É verdade que seu presidente é neto de Roberto Campos. Seu avô adotou o neoliberalismo quando este se tornou dominante no mundo, mas era um homem genial, “fora da caixa”; ele não estava simplesmente a serviço de rentistas e financistas. 
Para a economia brasileira retomar o desenvolvimento é preciso que a taxa de câmbio permaneça flutuando em torno do nível real atual. Isso criaria oportunidades de investimento para as empresas e resolveria o problema do investimento privado. E é preciso que o Estado separe radicalmente o gasto corrente do investimento e passe a aumentar este último, enquanto reduz a relação gasto corrente-PIB. Dessa forma, ele resolveria o problema do investimento público tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado da oferta (da poupança pública). 
Estamos muito longe disso. Não apenas porque os economistas liberais, mas também os desenvolvimentistas, têm uma imensa dificuldade em pensar assim. 
Para o Brasil voltar a crescer e a realizar o “catching up” é necessário: a - um pequeno superávit em conta-corrente, que evite a entrada líquida de capitais que apreciam o câmbio; b - o equilíbrio fiscal corrente; c - déficit fiscal corrente apenas como política fiscal contracíclica; d - a expansão do investimento público; e e - manter “certos” os cinco preços macroeconômicos. Ou seja: 1 - manter baixo o nível da taxa de juros em torno do qual o Banco Central realiza sua política monetária; 2 - manter competitiva a taxa de câmbio, garantindo às empresas que têm competitividade técnica também competitividade monetária; 3 - manter os salários crescendo com a produtividade combinado com gradual desenvolvimento do estado de bem-estar social; 4 - manter baixa a inflação; e 5 - manter a taxa de lucro em um nível satisfatório, que motive as empresas a investir. 
Para realizar uma política econômica nos termos acima definidos é preciso combater duramente a captura do patrimônio público: (1) por rentistas e financistas, que dele se apropriam sob a forma de juros e de privatizações de monopólios públicos; (2) por servidores públicos, que fazem o mesmo sob a forma de salários e aposentadorias que não correspondem ao trabalho realizado; e (3) por empresas e outras entidades associativas sob a forma de subsídios injustificáveis.
As reformas e as políticas que acabo de brevemente listar requerem um Estado capaz e desenvolvimentista. E eleitores, políticos, cientistas, técnicos e líderes associativos competentes e dotados de espírito público que ponham em segundo plano as suas ideologias.
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)

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