segunda-feira, 30 de março de 2020

É inquestionável que o 'Jornal Nacional' contribuiu na luta contra o coronavírus, FSP

Elaborado nos anos 1990 pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), o projeto sobre o impacto das novelas no comportamento reprodutivo, organizado por Elza Berquó e Vilmar Faria, ganhou repercussão internacional e marcou época ao estabelecer a relação entre evolução da taxa de fecundidade e a produção televisiva.
Ao lado de outros fatores convergentes, os brasileiros adotaram o modelo de família pequena assistindo às novelas da Globo.
Os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos na bancada do Jornal Nacional - João Cotta/Globo
O caos criado pelo coronavírus reafirma o papel da TV como organizadora do comportamento da sociedade. Parece inquestionável que o “Jornal Nacional”, com a sua dramática campanha informativa, contribuiu para a mobilização popular na luta contra a Covid-19.
Os alucinados das carreatas são irrelevantes ao lado das comunidades inteiras que tomaram iniciativas independentes diante da errância do Executivo.
No Brasil e no mundo, a pandemia ressuscitou a televisão. Nos Estados Unidos, a audiência dos telejornais subiu 42% em relação ao mesmo período no ano passado. A CNN, relegada ao bizarro estatuto de plataforma esquerdista na era Donald Trump, voltou a ser o padrão-ouro do noticiário internacional, como nos tempos da Guerra do Iraque.
A programação da BBC, transformada para cobrir o coronavírus, lembra os tempos do Blitz, quando ela ritmava a vida dos britânicos na Segunda Guerra Mundial. Nada mal para um meio de comunicação supostamente condenado a uma morte lenta pelas redes sociais.
Ibope em alta é sinônimo de influência política. A CNN obrigou Donald Trump a sair da zona de conforto, e a BBC desbancou a teoria da imunidade coletiva de Boris Johnson.
Na semana passada, a Globo ditou ao governo e ao congresso as medidas econômicas a serem tomadas.
A televisão voltou a ser a formadora da opinião pública, e o governo Bolsonaro, viciado nas redes sociais, perdeu o controle da narrativa política.
O desempenho da televisão na crise sanitária terá especial relevância no Brasil, o único país órfão de um presidente da República. Não se trata apenas do negacionismo biológico e do ativismo contra as medidas preventivas. Trata-se da ausência total de empatia de Jair Bolsonaro pelo sofrimento das vítimas diretas e indiretas de uma doença cruel que sufoca, segrega e isola.
Na Noruega, a primeira-ministra Erna Solberg concede entrevistas coletivas a crianças, ansiosas por saber quando regressarão aos braços dos avós.
Em Israel, o presidente Reuven Rivlin lê histórias infantis ao vivo na televisão. Em Portugal, o premiê António Costa regularizou todos os imigrantes, jovens e idosos, incluindo milhares de brasileiros.
Enquanto isso, no Brasil, o presidente brinca sobre mergulhar no esgoto.
O ressurgimento das figuras tutelares da nação, um dos efeitos expectáveis dessa grande crise, proporciona a união em torno de uma instituição. No caso brasileiro, diante da ausência intelectual e moral do presidente, e das limitações institucionais dos governadores, esse papel acaba nas mãos dos âncoras do “Jornal Nacional”.
Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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